A cultura é uma das armas mais subversivas da história da humanidade. E seu golpe é tão singelo e melífluo que, em diversas vezes, o atingido é também mais um propagador da chama da resistência. Na Paris sitiada pelos nazistas durante a segunda guerra mundial não foi diferente. Enquanto a ocupação alemã aumentava, mais precisa era a necessidade de capilarizar a cultura francesa entre os povos. Como? Fazendo arte em seu esplendor, para demonstrar aos invasores que havia ali uma barreira intelectual inquebrável, que não se ruía pelo poderio militar. O filme O ÚLTIMO METRÔ (1980), de François Truffaut, retrata muito bem aquela época sob um olhar cultural.
Como Paris estava dominada, havia o toque de recolher num determinado horário, sendo, este, a derradeira viagem do metrô na cidade para retornar com as pessoas para casa. Tudo se resolvia até o último metrô. E, ainda por causa da falta de opções de lazer, muita gente frequentava os teatros em busca de divertimento e fuga momentânea do pesadelo que viviam. As casas lotavam e os agentes culturais começaram a enxergar, nas peças teatrais, formas de resistência. E as mensagens invadiam o local mesmo recheado de personalidades nazistas que, com as cabeças fixas nas bombas, riam e aplaudiam seus próprios deboches.
Truffaut não passou pano e nem era um alienado político por não enfatizar tiros, mortes e passagens fúnebres nesta obra. Pelo contrário, ele fez um ode à arte por ajudar a livrar sua França do domínio maléfico nazista. Sendo mais ainda uma declaração de amor ao teatro, pois utiliza-se da metalinguagem não apenas como forma, mas como verdadeira personagem da fita. Um exercício cultural necessário num tempo difícil de trevas.
A escolha da produção em se passar quase toda a história num teatro pode fazer cansar o espectador, mas é algo logicamente aceitável, além de possuir o simbolismo supracitado. Contudo, a atmosfera é envolvente e cativante, tal qual Catherine Deneuve, Gérard Depardieu e Heinz Bennet quando aparecem na tela com suas ambiguidades e destrezas. Em suma, um filme de 1980 que rememora o horror de 1944 e que traz à tona o desafio de lutar contra o obscurantismo da atualidade, pois nos lança a pulga atrás da orelha. Porque derrotar o fascismo não é fácil. Mas o caminho transita pela arte e pela cultura. Nota 8,0.
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