Todo adolescente tem suas neuroses, fundamentadas ou não. Elas, as neuroses, se aproveitam de forma covarde da ingenuidade e da pouca maturidade da vida ainda tão pouco experimentada dos jovens. Minha neurose, em particular, consistia nas espinhas que brotavam em meu rosto, me fazendo indagar como a natureza humana pode ser tão cruel a ponto de transformar uma pele de pêssego em uma espécie de choquito ambulante. Ao completar 16 anos, as acnes já não eram o único alvo de minha obsessão. Na verdade, já havia me conformado com elas, as maquiagens que furtava de minha mãe me ajudaram nesse processo de autoaceitação. Outro motivo de meus surtos, era minha baixa estatura, um problema muito maior na verdade (com o perdão do trocadilho).
Mas no verão de 2014 decidi apresentar para os outros, o comodismo com minhas imperfeições. É claro que o calor senegalês que fazia (nas sombras) de Florianópolis, não colaborava em nada para minha paciência. Acordar às cinco e meia da manhã e ter que aderir à convenção social de dar lugar para idosos no assento dos dois ônibus completamente lotados que eu pegava, todos os dias, para assistir as aulas enfadonhas do segundo ano do ensino médio, também não faziam de mim a garota mais feliz do mundo, confesso.
Meu único refúgio para ter a perspectiva de um futuro melhor, como pegar apenas um ônibus por dia, por exemplo, era estudar. Porém, algo naquele verão se apossou de praticamente toda minha capacidade cognitiva e social. Uma espinha colossal surgiu, da noite pro dia, em minha bochecha esquerda. Estava subcutânea, tentei espremer, ela inflamou e o que era para ser mais uma acne passageira, se tornou um enorme furúnculo.
Obviamente, no auge da falta de preparo emocional para lidar com o caroço imenso, tentei removê-lo das maneiras mais criativas e não recomendadas dermatologicamente. Furei o nódulo com uma agulha, na intenção de extrair o pus de dentro dele, provocando apenas o sangramento na região. Pressionei uma compressa de gelo contra meu rosto, para ver se diminuía o inchaço, funcionou (por cinco minutos). Então fui obrigada, pela minha conturbada consciência, a esfoliar o local afetado para renovar a pele.
Talvez tenha me emocionado demais no processo e o que era para ser apenas uma técnica de remoção de células mortas e do excesso de oleosidade na pele, resultou em uma enorme ferida em carne viva. Esfregar minha cara no chapisco teria um resultado menos desastroso. E, é claro, eu teria que ir para o colégio no dia seguinte. Meu martírio se estenderia por longas duas semanas até que o parasita, minha acne, o monstro incutido em minha bochecha se cansasse de mim e, entediada com minhas neuroses de adoelescente, me abandonasse.
*Nota do editor: A sensibilidade jornalística de João Monteiro nos lega três grandes crônicas. Inspiradas em entrevistas cujos detalhes são irreveláveis, elas visitam profundezas densas – e tensas, advirta-se. Publicamos o primeiro ato dessa trilogia (“Os demônios de cada dia”) no último dia 12; este, agora publicado, é o segundo. Acompanhe nossas publicacões e permita-se esse mergulho.
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