Astros da música são assim mesmo: convivem com excessos, vivem nos extremos. Eles são capazes dos gestos mais ousados, dos êxtases mais altos, das diversões mais orgíacas. Mas também são vítimas de depressões devastadoras, de vícios opressivos, de delírios pavorosos. Não é raro que a vida dum astro da música se torne um drama. Ou uma tragédia, muitas vezes fatal.
Britney Spears é um caso típico desse “way of life”. É linda, talentosa, amada pelos fãs. Mas sua vida tem sido, em muitos sentidos e há mais de uma década, um pesadelo. Como pano de fundo, há um processo judicial de curatela que lhe restringiu gravemente as liberdades mais básicas. Britney é um dos grandes nomes da música pop deste século, mas é incapaz (ou impedida) de tomar decisões simples como escolher uma casa ou uma bebida ou um namorado. Seu caso põe em questão a capacidade de cuidar de si e, em última análise, o exercício da liberdade individual. Como alguém tão genial, capaz de encantar tanta gente, pode ser incapaz de cuidar da própria vida?
O sucesso e o excesso
No ano 2000 Britney Spears apareceu com o estrondo de uma explosão atômica. Antes dos vinte anos ela alcançava um êxito – mercadológico e artístico – poucas vezes igualado. Tornou-se talvez a mais famosa cantora-adolescente da história.
Mas não se tratava apenas de fama e de sucesso. Desde sempre houve um certo culto a Britney. Os adolescentes da sua geração – e das gerações mais novas, que receberam essa herança – identificam-se profundamente com a arte da cantora. E, em alguma medida, com o drama que ela vive. Britney reflete – em sua música e em sua vida – os mais íntimos conflitos de cada um dos seus tantos milhões de fãs.
Talvez essa tenha sido também sua maldição. A vida da cantora passou a ser consumida pelo público com uma voracidade inédita. Como se ele, ao consumi-la, remediasse um mal ou satisfizesse um vício. Como se seus fãs tivessem a necessidade de devassar a vida da estrela.
Britney sucumbiu a essa devassa. Tentou se esconder sob efeitos do álcool e das drogas. Assim só agravou seu tormento. Em 2007, no auge da fama, todos os seus problemas tornaram-se dolorosamente notórios. O drama da cantora já não podia mais ser ignorado por ninguém. A não ser, talvez, por ela mesma.
O processo judicial
Os problemas de Britney afetavam as pessoas à sua volta. Ela perdeu a guarda dos filhos. Perdeu o direito de gastar sua fortuna. Perdeu a liberdade de cuidar de si. A curatela a que foi submetida é isso: reconhecer sua incapacidade de exercer livremente seus direitos.
James Spears, o pai de Britney, passou a ser seu principal curador. Seu papel na vida da filha tornou-se vasto e fundamental – mas talvez excessivo. Não se tratava apenas de gerir seu patrimônio ou zelar por sua segurança. A curatela definia tudo: suas relações pessoais, sua liberdade de ir e vir, as decisões sobre seu corpo.
Passada mais de uma década do início desse processo judicial, Britney veio a público revelar detalhes terríveis: os tratamentos a que foi obrigada a se submeter, os métodos contraceptivos que teve que adotar, as pessoas e as vivências que lhe foram vedadas. Com as palavras mais claras, contou que foi vítima de abuso na curatela. Os detalhes desse abuso, amplamente divulgados, são chocantes.
“Vocês querem um pedaço de mim?”
O drama de Britney não é apenas uma história a que assistimos tristes ou atônitos. É uma questão que nos desafia. Uma mulher de trinta e nove anos, rica e talentosa e cultuada por milhões em todo o mundo, não pode decidir onde morar ou quando engravidar ou quem conhecer? Essa mulher extraordinária não pode tomar as decisões mais básicas a respeito de sua própria vida? Seu pai, seus outros curadores, o juiz do processo – são eles que devem tomar tais decisões?
Britney personifica um drama em que a protagonista é a liberdade individual. Desde muito antes da curatela, a mídia e o público avançaram sobre sua liberdade. Devassaram sua privacidade. Ocuparam os cantos mais íntimos de sua vida. A curatela oficializou e aprofundou essa ocupação.
Um verso de um dos grandes sucessos da cantora pergunta: “Vocês querem um pedaço de mim?” A resposta, tantos anos depois, parece óbvia. Talvez devêssemos reconhecer que é “um pedaço” grande demais. Talvez a grande tragédia é saber que resta a ela, Britney, muito pouco.
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