Quando o medo bateu à porta, A confiança foi lá e atendeu, Mas não havia ninguém. (Provérbio Chinês).
Eu tinha apenas 05 anos de idade quando meu vizinho, criança de mesma idade, morreu afogado no rio que passava atrás de nossas casas.
O receio de que algo parecido pudesse acontecer comigo e com meu irmão menor, fez com que meu pai criasse uma fábula de que naquele rio havia jacarés gigantes, verdadeiras feras famintas e comedoras de gente.
Em razão do medo criado, passei a infância longe do rio, sem saber que o verdadeiro perigo não eram os jacarés que, aliás, nem mesmo existiam naquele rio.
Acessei essas lembranças na semana que passou, em razão de recentes episódios envolvendo Deputados Bolsonaristas que preferem impor uma política de agressão, ameaça e medo a outros Deputados e Deputadas, em vez de enfrentar o debate democrático dos temas em análise na Câmara.
No dia 12 de maio foi o Deputado Bolsonarista Éder Mauro (já condenado por disseminação de Fake News) que, em um debate na CCJ da Câmara sobre abusividades nas tarifas de energia elétrica durante a Pandemia, disse aos berros que já tinha matado muita gente, mas que eram todos bandidos. Na mesma fala, em tom de ameaça, manifestou o desejo de que as Deputadas de oposição fossem dormir e esquecessem de acordar.
Menos de 1 semana depois, mais precisamente no dia 18 de maio, o Deputado Bolsonarista Diego Garcia levantou-se de sua cadeira para agredir fisicamente, durante os trabalhos, o Presidente da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, que avalia projeto de lei que regulamenta a produção de medicamentos à base de Canabidiol no Brasil.
Aqui faço uma rápida digressão para abordar esse tema e demonstrar que não é sequer racional a posição de dificultar o acesso a esse tipo de medicamento (hoje importado e caro).
Em primeiro lugar, não há razão lógica para combater a produção de medicamentos à base de Canabidiol, até porque, se pensarmos de modo diferente, teremos que vetar também a produção de Morfina, Fentanil, Petidina, e uma série de outros medicamentos feitos à base de Ópio e usados em tratamentos oncológicos ou que envolvam dores crônicas.
Teríamos ainda que impedir a produção de Benzodiazepínicos e uma série de outros medicamentos psiquiátricos que contêm substâncias psicotrópicas, como Clorpromazina, Diazepam, Haldol e muitos outros.
Também não há razão científica para impedir a produção desse tipo de medicação, porque o Canabidiol já se mostrou eficaz e seguro para o tratamento de doenças psiquiátricas ou neurodegenerativas, como Esclerose Múltipla, Esquizofrenia, Mal de Parkinson, Epilepsia, Ansiedade e também para Fibromialgia, motivo pelo qual seu uso medicinal está autorizado em mais de 40 países.
Essa contextualização é importante para demonstrar que o radicalismo Bolsonarista procura impedir a análise, o diálogo e o aprimoramento de ideias sobre temas eleitos como tabus ideológicos, a partir de uma política de imposição do medo. Quem pensa diferente é desumanizado e a democracia passa a ser um detalhe inconveniente nesse processo.
Apenas para relembrar, a eleição de Jair Bolsonaro foi baseada em mentirosas narrativas de medo, como a do “kit gay” que supostamente seria distribuído aos alunos da rede escolar, e também a história da “mamadeira de piroca” multiplicada nos grupos de Whatsapp de apoio ao candidato Jair, assim como a suposta ameaça de dominação Comunista do Brasil e por aí vai uma lista imensa de “jacarés comedores de gente”.
Da mesma forma, a demonização da Maconha constitui um dos tabus moralistas que sustentam a base de apoio do Bolsonarismo, ou seja, aprovar a produção de medicamento à base de Canabidiol seria admitir que a planta não é um mal absoluto a ser combatido por “pessoas de bem”, mas que pode sim ser um medicamento importante para o tratamento de diversas doenças.
Para manter o pânico e a demonização, surge então a necessidade de evitar o debate democrático do tema. Levantar-se da cadeira para agredir a quem pensa diferente passa a ser justificável, afinal, o diálogo a respeito de temas como esse constitui uma ameaça concreta à base de sustentação ideológica do movimento Bolsonarista.
Ao Bolsonarismo, como se percebe, não interessa mostrar que no rio não existem jacarés comedores de gente. Pelo contrário, quanto mais medos, quanto mais fantasias aptas a justificar a necessidade de intervenção de um “Capitão” do Exército para salvar “pessoas de bem”, melhor.
Nessa segunda metade de um mandato político em que impera a irracionalidade, a ignorância e a incompetência, resta a ainda esperança de que a minoria restante de apoiadores do Bolsonarismo consiga entender os enganos a que foi submetida e possa ajudar a corrigir a equivocada trajetória dada ao Brasil nas eleições de 2018.
* A obra de arte que emoldura esse texto é um recorte da pintura “A Romaria de Santo Isidro”, produzida em 1823 pelo gênio Espanhol Goya.
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