Opinião

Nosso preconceito, nossa miséria

Nosso preconceito, nossa miséria

Nós não temos preconceito contra nordestinos. Essa acusação deturpa nossa visão de mundo. Permitam-me refutar essa calúnia hedionda.

Temos preconceito contra nortistas em geral. Contra quem venha do norte. Bem entendido: norte do país. Porque se vem do norte do mundo, aí nós veneramos. Nosso preconceito se dirige às latitudes tropicais.

Se bem que temos preconceito também contra a gente de regiões temperadas. Goianos são caipiras. Mineiros são matutos. Cariocas são vadios. Paulistas são toscos. Mato-grossenses, então, nem se fala: eles vêm do mato. A menos que sejam plantadores de soja. Neste caso, são ricos. Não temos preconceito contra ricos de qualquer procedência.

Eis a verdade: temos preconceito contra pobres. Venham eles do Haiti ou do interior do Paraná. Nós os odiamos.

Não temos nada contra os nordestinos em si mesmos. O problema, como disse o presidente, é que muitos deles são pobres. Assim também os pretos e os índios: a maioria é pobre. Então nós os odiamos. Especialmente agora, na eleição, em que eles ousam votar no outro candidato.

Nosso candidato nos ensinou uma verdade balsâmica: os pobres são culpados pela própria pobreza. São pobres porque merecem. Não temos o dever de ajudá-los. Ao contrário: quanto mais pobres, menor o preço da mão-de-obra. Já que precisamos de trabalhadores, melhor não dar ajuda: assim eles vendem seu trabalho mais barato. Então temos mais lucro. É tão reconfortante entender tudo isso. Obrigado, presidente!

Não, não temos preconceito contra nordestinos. Se bem que eles, além da pobreza, têm outro defeito: são altivos, não se curvam. Parecem ter a ousadia dum Lampião. Agem como se fossem herdeiros de Alencar e Castro Alves. Nós, herdeiros de europeus miseráveis que emigraram ao Brasil há pouco mais de um século, sentimos nossos ossos tremerem de raiva. Nossa pobreza atávica e vassala inveja a deles, circunstancial e nobre.

Nossos acusadores deturpam nossa visão de mundo. Não compreendem o quanto ela reflete nossa existência pequena, nossa raiva enrustida, nosso fracasso moral. Isso que nos imputam não é preconceito. É só nossa miséria.

Capitão Ulisses

Capitão Ulisses é blumenauense. Apaixonado por inteligência militar, tem se dedicado ao estudo de sistemas políticos complexos.

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