Juquinha me convenceu a acompanhar o Citão há uns dois anos. Disse assim: “é outro futebol, outro esporte – outro estágio da evolução do ludopédio”. Pensei comigo: “çei!” Pensei assim mesmo, com cê-cedilha, debochado. Não acredito nessas coisas. Não acredito em “outros estágios”. Acho que o futebol foi, é e sempre será o mesmo. Vinte e dois caras numa disputa física e psíquica em torno da gorduchinha.
Pois bem, confesso agora: cheguei a balançar vendo o Citão. Era muita posse de bola. Muita troca de passe. Muito controle da gorducha. Desde logo, o que mais me agradou foi ver, redivivo, o WM dos anos 40 e 50, quando começou minha paixão pelo jogo. Lembro bem da maravilhosa seleção de 50. O W eram Juvenal, Augusto e Bigode; Danilo e Bauer. E o M: Zizinho e Jair; Friaça, Ademir e Chico. O Citão não tem o M, mas tem o W: Bernardo Silva e Gundogan; Foden, De Bruyne e Mahrez. É a “pirâmide invertida”, diria o Juquinha. Enfim, é alguma geometria que repetia aquele belo modelo que me ensinou a gostar de futebol.
Acontece que o Citão de Pep tinha essa beleza renovada. Com jogadores que, como sempre lembra meu amigo, “correm 12 km por jogo”. E sobretudo: filmado e divulgado por esse canhão midiático que metralha contra nossas mentes perplexas. Confesso novamente: também sobre mim se abateu essa perplexidade. Também meu queixo caiu ante as proezas guardiolianas do Citão.
Mas nunca dei meu braço a torcer. Minha amizade com o Juquinha impõe isso: eu não posso ceder às suas convicções ludopédicas. Tenho que manter o personagem. Tenho que seguir sendo sempre o velho Serjão. E assim perseverei no papel de crítico do Guardiola. Dizendo que tudo não era senão exagero. Que até minha vó teria ganho aquelas duas Champions com o Barcelona. E que ele só faz sucesso porque sempre tem elencos fartos e orçamentos nababescos.
Pois é. Por um tempo performei o personagem, fingindo não ver as proezas do Pep. Até que o personagem afinal me convenceu. Sim, Freud explica; ou Deleuze. O personagem venceu o ator. O velho Serjão terminou por convencer o novo Serjão, ou Serjinho, de que o Citão era só um Citinho.
Ontem foi isso. Um Citinho. Um time normal, de jogadores normais, com estratégias normais. Tão normais, aliás, quanto as do Chelsea. O time londrino fez um gol e, daí em diante, “estacionou um ônibus na frente da área”, como bem diz o Juquinha. Três beques e dois laterais numa linha de cinco jogadores na defesa. O City passou o segundo tempo chuveirando bola na área. Tudo normal. Trivial. Prosaico. Sem “WM” ou “pirâmide invertidas” Sem beleza.
A beleza, afinal, está naquilo que o futebol sempre foi e sempre será: a disputa entre vinte e dois caras, o físico e a mente, e a gorduchinha. O Chelsea superou o City com as velhas armas – armas eternas: marcação forte, contra-ataques agudos, imposição psicológica. Com bons jogadores jogando o que podem. Num esquema mais velho do que andar pra frente.
“Então o Citão é um Citinho, Serjão? Está é a mensagem?” Assim me perguntaria o Juquinha, ou qualquer outro leitor indignado com meu tom herético a respeito de Dom Pep Guardiola. Respondo: não, nem Citão nem Citinho, apenas City. É o campeão inglês. Foi finalista da Champions. Tem uma legião de fãs pasmados com o fato de que o futebol pode ser bonito. Isso não é pouco.
Mas não é outro estágio da evolução do esporte. Não é “outro futebol”. É só mais do mesmo ludopédio. Bonito em si. No que tem de essencial. E de eterno. Assim, sob o olhar do velho Serjão, acho que o futebol fica ainda mais bonito. Juquinha, com olhos limpos pelas lágrimas de ontem, há de vê-lo.
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