Era óbvio. Terceira vez que eu pedia. Só nesse ano.
– Cê gosta disso, né?
Nem respondi ao deboche. Mas confesso que gosto. Tudo por uma razão: música.
Gosto do barulhinho. Ou melhor: do batidão. Você entra no túnel da máquina e começa a rave. Mó poperô. Sem melodia: só o ritmo puro, o esqueleto da música. Aí vêm as ideias e começo a compor. Um refrão atrás do outro. Da última vez, saí da máquina e escrevi meia dúzia de canções. Algo meio funk, meio samba. Um quê de rock.
Mas hoje foi diferente.
Foi no hospital em Jaraguá. Tinha anos que eu não pisava na city. Vim ver os velhos e fiz aqui a ressonância. A princípio, tudo normal. O túnel. O batidão. As ideias. Mas o ar da cidade parece ter me contaminado. Fiz cada composição que, sei lá, vou te contar.
Primeiro me surgiu um zique, zaque, zique, zaque. Ecos da Xitzen. Aquilo colou na minha mente. Uma coisa tormentosa.
Aí a máquina mudou o ritmo. Ufa. Comecei a balbuciar uns versos dum novo refrão. Mas a estrofe foi se entortando. O troço foi ficando ruim. Quando vi, parecia um jingle da campanha do Conéu.
Veio então uma batida mais acelerada. Um drum ‘n’ bass violento. Agora sim. Senti que ia me surgir um rock meio trance. Algo na linha do Maneskin. Até cantarolei um “beggin you” pra forçar a inspiração. Foi o meu erro. Isso me levou àquele “uh-hu” do Blur. Aí lembrei da minha adolescência. No fim surgiu um refrão rimando dub com shopping club.
Toquei a campainha da emergência. As enfermeiras me puxaram pra fora do túnel e olharam arregaladas:
– Tudo bem?
Nem respondi. Saí correndo. Por pouco não deixo o hospital vestindo camisola. Entrei no carro e liguei o rádio. Tocava um funk meio apagodado com vocal sertanejo. Foi a gota d’água. Passei em casa, peguei as coisas e voltei imediatamente a Floripa.
Decidi passar um tempo na Praia da Solidão. Depois vou fazer uma nova ressonância. Quero trabalhar num refrão sacana, ecoando a tônica de Itapocu, que me ocorreu quando passava por Guará.
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