Opinião

O Kanoa virou

O Kanoa virou

Duas ondas resolveram a disputa. A primeira do Medina. A segunda do Kanoa. O Medina, você sabe, é bicampeão mundial e atual líder do ranking da World Surf League. O Kanoa é um surfista de meio de tabela, de meia idade e meio japonês: nasceu na Califórnia, mas é filho de japoneses; em todo caso, ele tinha a bandeira com o sol nascente na lycra que vestia – e esse é um detalhe decisivo. 

Volto às duas ondas. A primeira, do Medina, foi um aéreo com rotação completa. A segunda, do Kanoa, idem. Em ambas a mesma manobra. Mas não a mesma nota. O japonês ganhou quase um ponto a mais. 

Vou poupar vocês dos detalhes e dos jargões em inglês. Digo simplesmente que achei a manobra do Medina melhor: um aéreo de costas pra onda sem tocar as mãos na prancha. Mas entendo quem, sei lá por quê, ache o contrário. Só não entendo a diferença tão grande de notas. Especialmente porque essa diferença foi decisiva: a nota do japonês veio bem no fim na bateria e todos sabiam que ela decidiria a disputa. Antes dessas ondas, o Medina liderava. Depois delas, o Kanoa virou.

O surfe nas Olimpíadas foi uma grande jogada da ISA, a Associação Internacional, e da WSL, a Liga Mundial. Os grandes surfistas do mundo foram ao Japão: Medina, Ítalo, John John, Carissa, Stephanie & cia. O esporte seria “apresentado” aos vastos públicos que ainda não conheciam seus encantos. As Olimpíadas seriam a grande vitrine pra essa maravilha de brincar sobre as ondas. 

Mas o surfe tem também seu lado feio. Toda disputa é decidida pelas notas de cinco juízes e nem sempre são muito claros os seus critérios; menos ainda as suas eventuais motivações. Muitos campeonatos já foram definidos pelas mãos invisíveis dos cinco homens da casinha. A vitrine das Olimpíadas mostrou uma verdade amarga sobre este esporte: intencionalmente ou não, os juízes erram. No caso, o erro favoreceu o surfista “da casa” – e assim tudo só piorou. A WSL e a ISA queriam mostrar aos vastos públicos os encantos do surfe. Acabaram mostrando o que ele tem de mais feio. 

É uma pena. Podia ter sido diferente. Os juízes eram da WSL e da ISA: teoricamente, são os mais aptos a fazer o melhor julgamento. Mas eles escolheram o pior. Decidiram fazer um agrado aos donos da casa. Uma final entre Medina e Ítalo teria sido irada, a mais alta performance que esse esporte poderia oferecer. Mas eles decidiram dar a medalha ao japonês. 

Dane-se. O Ítalo acabou ganhando a final e sem dúvida é um grande campeão. Quanto ao Medina, engoliu a seco. Ele sabe bem o que aconteceu. Do episódio vai lhe restar a raiva, que só vai aumentar sua gana. Sua derrota só faz aumentar suas chances de vencer o mundial. 

Mas fica o registro. A bateria entre o Medina e o Kanoa foi um episódio vergonhoso na  história do surfe, precisamente no momento em que essa história estava sujeita à máxima exposição. Quem cuida do esporte – WLS e ISA, especialmente – deveria aprender o quanto é necessária a justiça dos julgamentos. Quem cuida das Olimpíadas – o COI – também deveria. Esse aprendizado seria, pra toda a gente que ama o surfe (e todos os outros esportes), a grande vitória.

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