Opinião

O plágio da direita

O plágio da direita

Ilustro um dado básico da realidade com aquele famoso meme:

– Quem somos?

– A extrema-direita!

– O que queremos?

– Atacar os velhos inimigos da extrema-esquerda!

Os velhos inimigos desta – ou os novos inimigos daquela – são seres vagos. Metáforas. Monstros abstratos que têm nas veias o sangue verde da grana.

O primeiro monstro é a Grande Mídia. A esquerda sempre a reconheceu como instrumento da dominação capitalista. Agora a direita plagiou esse discurso. Diz que a Grande Mídia envenena o povo contra seus líderes messiânicos. Os mitos, tadinhos, são perseguidos por esse poder diabólico.

Claro, é preciso explicar o porquê dessa perseguição. Essa explicação evoca o segundo monstro: o Grande Capital. Também ele é uma construção discursiva da esquerda. Denota as instâncias ocultas de poder que refletem a concentração de riquezas em escala mundial. A direita adotou esse inimigo pra si. Segundo ela, o Grande Capital controla todos os podres poderes. Quer nos tornar homossexuais e ateus. Quer diluir nossas tradições e nossa fé. Quer enfraquecer nossas nações pra perpetrar seu domínio planetário.

Isso não significa que a direita sempre defenda o Estado. Ao contrário: as vozes mais extremistas querem sua abolição. Também nisso plagiam um antigo mote esquerdista que denunciava o Estado-burguês. Esse era um slogan anarquista. Anárquica, agora, é a extrema-direita. As redes sociais, os fluxos criptomonetários, os limites da ciência – ela quer tudo isso fora do controle estatal. No fundo, é um anarco-individualismo: minha propriedade, minhas armas, minha lei.

Bem claro: esquerda e direita não são iguais. Uma fala em nome da classe; a outra, em nome de grupos unidos pela riqueza, pela raça ou pela fé. Uma quer combater as desigualdades; a outra quer perpetuá-las. Mas, apesar disso, esta copia discursos daquela. Há alguma confusão por causa do plágio. E nessa confusão, ou por causa dela, vozes extremas de cada lado atacam um mesmo alvo: a necessária mediação democrática das nossas discordâncias. O que deveria ser a premissa consensual pra ambos os lados, torna-se o inimigo comum – e cada vez mais frágil – desse coro bizarro.

Vítor Véblen

Vítor Véblen é iniciado em literatura política. Viveu em Chicago, onde estudou economia. Mora atualmente em Joinville.

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