Opinião

Vende-se um long john

Vende-se um long john

Em meados dos anos noventa eu saía da adolescência e queria ser surfista. Mas queria também ser homem. Pensava assim: posso ser, com sorte, um surfista; devo ser, com sorte ou não, um homem. Ser surfista era o sonho: Hawaii, Califa, as curvas azuis das ondas, as curvas morenas das fãs. Ser homem era uma alternativa: trabalhar, ganhar dinheiro, ter (uma) mulher e filhos – e surfar nas horas vagas.

Tive amigos que realizaram o sonho. Se bem que o sonho não foi o que a gente imaginava. Em todo caso, tiveram a sorte de serem surfistas – além de homens. A maioria de nós foi apenas homem. A gente trabalhou, casou, teve filhos. A vida não foi o que a gente imaginava. Em todo caso, tivemos a sorte de vivê-la – com saúde e com fé.

Houve porém um caso único. Um cara que inventou a fórmula mágica: sem ser surfista, viveu do e no surfe; e ao ser apenas homem, viveu o sonho que achávamos que só um surfista poderia viver. Esse cara é o Morongo.

Não por acaso ele foi um ídolo da minha geração. Morongo teve nos negócios a atitude de um surfista: desprendimento, ousadia, leitura de onda (ou, no caso, de mercado). A marca que ele criou exalava essa atitude – afinal, ela era uma referência a ele próprio. Resultado: sucesso, muito sucesso.

Por isso ele foi nosso ídolo. Ele era único. Um empresário surfista. Um homem que fez do seu sonho – que também era o nosso – o mote do seu sucesso.

Esse ídolo não existe mais. Nesta semana revelou-se um outro Morongo. Em mensagens enviadas a um grupo de velhos empresários, vazadas pela imprensa, ele fala coisas bizarras. Coisas que traem um fanatismo cego e um egoísmo mórbido. Então é assim: ou seu candidato ganha as eleições, ou é o golpe? A escolha do povo não interessa? Morongo crê ter o direito de escolher, ele e seus poucos amigos, o governo da nação?

Hoje, desse antigo ídolo, sinto nojo. Nojo dessa postura velha e elitista, tão avessa à vibe do surfe. Nojo dos seus poucos amigos ricaços. Nojo da sua marca, que afinal é uma referência a ele, Morongo. Vejo essa marca no peito do meu long john pendurado no quintal. Ela já foi um símbolo de meu antigo sonho. Hoje é um sinal sinistro.

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