Arte

Wagner Rengel: Resto

Wagner Rengel: Resto

Talvez eu quisesse dizer de outros afetos, mas escolhi este. 
Talvez, muito mais provável, que o afeto tenha me escolhido. 
Essa coisa que invade a gente e não se sabe direito de onde vem e para onde vai. O que a gente sabe é onde o afeto fica em nós. Aquele aperto no peito, de repente, um arrepio, um sorriso, uma dor, um pensamento que não vai embora, olhos exageradamente úmidos…
De tantos afetos, diria o psicanalista, a angústia é o único que não engana. Aos demais, somos enganos, tropeços, lapsos. E a saudade, silenciosamente doída, talvez nos avise de um impossível de controlar, disso que fica e do que já se foi.
Saudade talvez seja teimosia de fazer presente um desejo de virar passado. 
Neste tempo tão difícil e singular, tenho me encontrado nele.
Deste poema, eu não sei ao certo a sua idade, está por aí faz tempo e de vez em quando algum pedaço dele vem em minha memória. 
Acho que ele me faz advertido dos enganos. 
Acho que a saudade é um resto do que nos humaniza.

Resto

Saudade é palavra inquieta
Difícil atingir tradução
Corpo tomado em aflição
Quem se mete com ela, acaba virando poeta

Um sentimento tão nobre
Por vezes é pura necessidade
Não tem fronteira, nem idade
A rica miséria d’alma pobre

Não ficou nem o sujo do boi
O amor que partiu
O cão que não mais latiu
Acabou-se, foi

Tarde demais para dizer
Cedo é o tempo que me diz
Silêncio pelo que fiz
Não foi hora de perder

O tempo que não volta mais
A foto que não tem cheiro
O dia que se foi inteiro
A vida corrida demais

Resto da velha saudade
Quando secar todo rio
Virar um buraco vazio
Antiga cumplicidade.

Wagner Rengel

Wagner Rengel quis ser silêncio depois pássaro depois peixe depois vento depois grilo quis ser gente depois nada. Mora em Curitiba.

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