Lembro de outros tempos, lá nos idos de 1998. Eu via frequentemente os punks na Rua XV, seus cabelos pintados, duros, esticados ao céu, seus coturnos, jaquetas de couro, brincos, tatuagens. Seus olhares e suas poesias. Vendiam poesias, anarquistas, subversivas, sonhadoras. Lembro das noites nos buracos escuros, fumaça, música e tudo o que a gente queria.
Lembro dos carecas, os skinheads, nazistas, fascistas que, em bandos, espancaram, matavam os punks, os cabeludos, os negros, os gays.
Lembro da euforia da correria, do medo, do susto.
Lembro das noites no Dromedário, dos conhaques, dos rabos de galo, da pouca grana, da fumaça, das esquinas.
Lembro dos corpos, das luzes, dos amassos, dos loucos.
Caçávamos apertos, escuridão, luzes coloridas, música alta, rock, punk rock.
Uma amiga me disse, quando acabar a pandemia veremos que nos foi roubado um tempo que jamais perdoaremos.
Jamais, eu concordei.
Outro disse, em tom de censura, vocês estão muito aflorados.
Estamos, sim.
Uma amiga pixou “genocida” no muro. Foi catártico, ela disse.
Eu imagino.
Contra-cultura, intervenção urbana, tensões entre o concreto, o tapume e os corpos.
Escrevo para não esperar sentado, que os sonhos, as poesias, os punks, estão aí.
Skinheads envelheceram e estão no poder. Não dançam, odeiam poesia, reacionários, caretas, obtusos, violentos.
Mas os punks incomodam os olhos com a subversão da lógica, vivendo de poesia marginal, idealista em papel pobre, os fanzines grampeados, xerocados.
Saudades daqueles inferninhos.
Talvez perca vergonha dos anos, da pele, dos cabelos brancos. Talvez meta um furo no nariz e atravesse uma argola. Talvez vá vender poesia na XV. Talvez.
Jamais perdoarei o roubo dos dias não vividos, das mortes, das perseguições. Skinheads odeiam poesia.
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