A outra face

Não conheço o mano que morreu nem o playboy que matou. Sei que o mano tava festejando o aniversário de 50 anos. Sei que o playboy não era convidado, mas apareceu armado e gritou pra geral: “bando de filho da puta”. E saiu. Mas disse que ia voltar. E voltou.

Não sei o que o playboy fez nesse intervalo. Talvez foi encher o cano de pó. Talvez rezar. O falso deus desses playboys é podre. Um deus forjado num porão cheio de bosta de rato. Um deus diabo. Talvez o playboy só tenha ouvido a voz satânica. Talvez nem tenha culpa: é tão cego que não vê o mal.

O mal é o seguinte: atirar no mano pelas costas, matar o mano na frente da mulher e dos amigos e dos filhos. Sabe o que é isso? Executar o cara na frente dos filhos? Isso é o diabo. A bosta de rato do porão dum torturador. O mal puro e podre.

Mas aí veio o bem, a reação do bem, o raio de luz no porão. O mano atingido também tava armado. Achou forças pra atirar no playboy em legítima e santíssima defesa. Um ato heroico. Seu último ato.

A playboyzada acha que vai ganhar na marra. Acha que tem as armas e que o poder é isso. Acha que vai violentar geral e que geral, mansa e pacificamente, vai mostrar a outra face. Nossa outra face quem mostrou foi esse mano. Também o sangue do playboy foi derramado.

Sei que é isso que eles querem. A reação. O sangue. A guerra. Aí eles podem cometer toda a violência cozida na caldeira dos desejos enrustidos. Aí a playboyzada não vai mais ter que jogar o jogo. É só prender & torturar & executar. É só dar o golpe. Dessa vez sem disfarce.

Mas depois do golpe eles vão tremer de medo. Se eles tem as armas, a gente tem o povo. Que não tem arma nem emprego nem comida, mas tem coragem. Nenhum poder se mantém só com violência. Quando chegar a hora a gente vai mostrar nossa outra face cheia de raiva e razão. Então o mal vai ser vingado. E vai manchar o nome de cada um deles. E os filhos deles vão carregar pra sempre essa maldita herança.

Não conheço o mano que morreu nem o playboy que matou. Mas sei que os filhos de um vão sentir orgulho. Os filhos do outro, só vergonha e nojo.