Opinião

Gente burra fica na esquerda

Gente burra fica na esquerda

“♫ Assaltaram a gramática Ooh!/ Assassinaram a lógica Ohh!/ Meteram poesia, na bagunça do dia-a-dia/ Sequestraram a fonética Ohh!/ Violentaram a métrica Ehh!/Meteram poesia onde devia e não devia”  (Assaltaram a gramática, Os Paralamas do Sucesso)

Está lá no Código de Trânsito Brasileiro (art. 29, IV) que, quando uma pista de rolamento comportar várias faixas de circulação no mesmo sentido, são as da direita destinadas ao deslocamento dos veículos mais lentos e de maior porte, quando não houver faixa especial a eles destinada, e as da esquerda, destinadas à ultrapassagem e ao deslocamento dos veículos de maior velocidade.

Não, o título não é sobre política. Sim, é irritante o número de motoristas que trafegam pela faixa da esquerda, em marcha lenta, atravancando o trânsito. Não me refiro àqueles que têm que entrar numa rua à esquerda, mas àqueles que andam quilômetros na faixa da esquerda obrigando outros motoristas a ultrapassar pela direita porque simplesmente não dão passagem.

Não, o texto de hoje não é sobre trânsito.

Informação x conhecimento.

Usei o exemplo do trânsito porque, se não todos os motoristas, muitos já passaram por esta situação: de encontrar alguém infringindo a lei a sua frente. E nem vou entrar nos méritos de um ou de outro.

É importante, porém, que as pessoas tenham consciência da diferença entre burrice e ignorância. Ignorante é a pessoa que desconhece alguma coisa, que não teve acesso à informação e, consequentemente, pode cometer equívocos (embora no mundo conectado de hoje seja muito fácil encontrar respostas).

O burro, por sua vez, é aquele que, mesmo tendo acesso à informação, continua não aprendendo, tem verdadeira preguiça mental. Nessa linha, como deveríamos classificar os motoristas que infringem a lei, presumindo que passaram nos testes para obter suas carteiras, e estudaram o Código de Trânsito para tanto?

Mas, como disse antes, meu texto não é sobre política e nem sobre trânsito. Na realidade nem sobre burrice ou ignorância, que cada um sabe das suas.

A minha verdadeira preocupação é sobre o excesso de informações e, paradoxalmente, a dificuldade, de muitas pessoas, de transformá-las em conhecimento. Hoje em dia, tudo pode se descobrir na internet. Infelizmente, há muita gente criando suas teorias com base em sites nada confiáveis. Em vez de procurarem livros sérios confiam piamente em blogs sem qualquer critério científico, muitas vezes escritos por pessoas que igualmente nunca estudaram nada seriamente. Apenas expõem suas conclusões retiradas sabe-se lá de onde. E para piorar essa salada de desinformação, há as postagens absurdas das redes sociais e os aplicativos de mensagens que as potencializam.

Detox digital.

É possível que quem pensou a internet, em seus primórdios, não imaginou essa salada de informações descontextualizadas. Isso porque a tecnologia vem, em regra, para nos ajudar. Pelo menos essa é a intenção de quem a desenvolve, especialmente para nos dar mais tempo livre.

Contudo, esse excesso de informação está no consumindo e o tempo sumiu. Os smartphones estão conosco quase 24 horas por dia – quando não 24 horas por dia – sete dias por semana. Os aparelhos e a internet 3G, 4G ou wi-fi, e, daqui a pouco, a 5G.

Desapegar está cada vez mais difícil, e essa dependência pode ser tanto social quanto profissional. Sempre há uma justificativa para dar uma olhadinha no celular, do momento que se acorda à hora que se vai dormir. E com a confusão entre informação x conhecimento, tem muita gente tendo pesadelos…

O fato é que nos divãs dos psicólogos estão cada vez mais presentes os dependentes da tecnologia. Síndrome do toque fantasma e nomofobia estão assustadoramente mais frequentes. O primeiro se refere à impressão de que o telefone está tocando ou vibrando (muitas vezes sem sequer estar perto da pessoa), e o segundo ao medo de ficar sem o aparelho celular ou sem conseguir usá-lo.

Por isso, muita gente está repensando seus conceitos e atos, e alguns sendo um pouco mais radicais, praticando o detox digital: ficar sem acesso às redes sociais, aos aplicativos de comunicação, aos jogos online e tudo o que possa estar ligado à internet. Obviamente que, dependendo da atividade do intoxicado, o detox não pode ser completo por conta do trabalho. Os finais de semana, porém, em regra, permitem essa imersão no nada digital.

Minimalismo digital.

Depois de um período de desintoxicação é possível a retomada gradativa e limitada à vida digital. Ainda com um pouco de esforço, o uso comedido da tecnologia e da internet pode contribuir para uma vida mais saudável, física e mental.

Viver com menos, em todos os aspectos, já é pregado há muito tempo como um estilo que contribui para a sociedade e para o planeta. Viver o minimalismo digital é saber discernir o que é necessário do que é lixo ou inútil no consumo de internet, diminuindo o tempo gasto nos meios digitais e aproveitando melhor o menor tempo em frente às telas, inclusive melhorando o grau de discernimento entre informações inúteis e conhecimento construtivo.

Os pensadores.

Entre esse universo quase infinito de mensagens (em sentido amplo, verdadeiras e falsas) e o minimalismo digital, dá para ser feliz? Acredito que, quem conseguir mais adequadamente transformar informação em conhecimento, estará mais bem preparado para o dia a dia e para o futuro, numa espécie de evolução darwiniana digital…

Nessa miríade de opções e transformações, com tantos neo-qualquer-coisa, vem à lembrança, neste contexto, o pensamento de Descarte, o filósofo iluminista: “Penso, logo existo”. Alguns preferem a tradução como “Penso, logo sou”. Como nos tem feito falta pensadores iluministas nestes tempos obscuros um bocado estranhos de hoje, especialmente nas cordilheiras políticas.

Pensar, e se entender, já é um grande passo para compreender muito do que se passa. Infelizmente, temos esbarrado, principalmente nas redes sociais, com pessoas que se acham pensadores e achincalham não só a língua portuguesa, mas também o mínimo da lógica.

E aí, nada distante dos pensamentos de René Descates, vem outro iluminado trazendo outro diamente da filosofia que deveria reger todos: Sócrates com o seu “Só sei que nada sei”.

Duas ressalvas. Quando digo que Descartes e Sócrates não são distantes, refiro-me a terem a mente aberta, pois há séculos de diferença entre um e outro. A segunda ressalva diz respeito à frase em si: não há provas de que Sócrates escreveu ou disse, mas a ele é atribuída pelos ensinamentos de Platão.

Humildes ou arrogantes?

Será que, com tanta informação, os homens, hoje, pensam o suficiente para se verem existindo como humanidade? Será que sabem que pouco sabem?

A humanidade hoje está mais para humilde, descobrindo-se tão grão de areia num deserto universal de informações ou mais para arrogante sobrepujando tudo por conta do que já conquistou, vendo-se deusa de um futuro previsível?

Há alguns anos ouvi, numa palestra, a seguinte frase: um homem com dúvidas, é um homem livre. Sinto-me livre, apesar de toda a informação na palma das mãos…

Viu? O texto de hoje não é sobre política (partidária), nem sobre trânsito, nem sobre burrice. É sobre dúvidas, reflexão e futuro, e sobre o que você está fazendo para contribuir para desenvolvimento coletivo sério de senso crítico. O resto é consequência!

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