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As raízes de Gota

As raízes de Gota
Fotografia por JVC Monteiro

O manezinho da ilha que atravessou eras e tendências e transformou sua paixão pela música na mais conceituada loja de discos de Florianópolis

Luiz Antonio Menegotto, 59 anos, conhecido pelos entusiastas da mídia física musical de Florianópolis como Gota, é proprietário há 30 anos da mais popular loja de discos da capital catarinense, “A Roots Records”, localizada no tradicional centro comercial ARS. Contar a história deste homem é também relatar sua relação com a música. Descendente de imigrantes italianos, Gota sempre esteve em contato com o universo musical. Seus pais até tinham discos , mas era na casa da avó paterna, onde havia uma eletrola e vários LPs, que o bichinho da música lhe picou. 

“Sempre após o almoço na casa da minha vó, eu ia dormir na sala onde ficava a eletrola e meus tios colocavam discos de música clássica para tocar”.

Além desse saudoso aprendizado, ainda criança ele se recorda de experiências nostálgicas nos cinemas de rua. Naquela época (meados dos anos 1970) os filmes eram antecedidos de curtas animados e, muitas vezes, Gota frequentava as sessões apenas para ouvir as trilhas sonoras desses desenhos. As músicas eram quase sempre as mesmas. Esse fator acostumou seus ouvidos às mais variadas notas musicais. Nas férias, seus primos vinham de Blumenau trazendo consigo violão, atabaque e tambores. Juntos, eles costumavam tocar canções do efervescente movimento Tropicália. 

Com o passar do tempo, sua personalidade e apreço pela música, em especial pelos LPs, amadureceu. Aos 13 anos, Gota comprou seu primeiro disco, “Made in Europe” do Deep Purple. Aos risos, ele recorda do momento:

“Lembro desse dia como se fosse ontem, estava chovendo pra caralho! Na loja, pedi duas sacolas para proteger o disco, cheguei em casa todo molhado, mas meu primeiro álbum estava intacto”.

No colégio, quando tinha trabalhos em grupo, ele chegava na casa dos seus amigos que geralmente tinham irmãos mais velhos e que, assim como Gota, gostavam de música. Dessa forma, ele foi apresentado a Black Sabbath, Pink Floyd e Led Zeppelin, bandas responsáveis por despertar o roqueiro adormecido dentro dele. Nosso personagem se sente privilegiado por ter vivenciado esses momentos, em um tempo onde o acesso a este tipo de cultura era muito difícil, especialmente em uma cidade como Florianópolis, de cultura quase provincial.

“Nessa época, apesar de vivermos em meio a uma ditadura, vinham pra cá artistas como os Mutantes, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Eu morria de vontade de ir a esses shows, mas não podia por causa da minha pouca idade. Somente algum tempo depois pude assistir a um show do Caetano no Sesc e outro do Milton Nascimento no Largo da Alfândega, os ingressos eram muito baratos, quando não eram gratuitos” .

Ele conta um caso curioso: quando estava no segundo ano do ensino médio, começou a mandar cartas com resenhas de discos para uma revista de música francesa. A publicação europeia não apenas recebera suas correspondências, como também publicou o material que ele havia mandado, onde continha o seu endereço. Para sua euforia e desespero de seus pais, ele começou a receber pilhas de cartas de amantes de música de todas as partes do mundo. Para se corresponder, Gota contava com ajuda de uma amiga que falava francês. Teve início então, uma espécie de intercâmbio postal.

“Eu queira discos, os gringos não queriam discos, porque lá fora já tinha. Era muito comum me pedirem artigos tradicionais da cultura brasileira, como peças de artesanato, eles adoravam”.

Quando terminou o ensino médio, Gota chegou a cursar Filosofia, mas acabou se graduando no curso superior de Psicologia da UFSC. Entre um período e outro  na universidade, ele estendia uma toalha no gramado onde comercializava seus artesanatos e oferecia catálogos de gravações remasterizadas em fitas cassetes.

Após a graduação, sua vida virou de cabeça para baixo. O dilema de ter uma profissão conceituada dividia espaço em seu coração com os caminhos incertos de se tornar um aprendiz de comerciante. Gota passou por algumas dificuldades para sustentar o que até então era apenas um hobby. Enquanto psicólogo, ele trabalhou em escolas, asilos e clínicas, porém, o comércio paralelo de discos e regravações lhe davam um retorno financeiro muito maior do que ele ganhava em sua profissão formal. Sobre este assunto, ele revela um segredo:

“Agora vou dizer uma frustração minha, provavelmente não viesse a dar em nada, mas o meu grande sonho não era nem trabalhar como psicólogo, nem trabalhar com música, meu desejo real era ser jogador de futebol. Eu cursei psicologia para agradar meus pais, eles queriam que o filho tivesse pelo menos um diploma universitário, aliás, eu poderia ter escolhido qualquer outro curso, o importante era estar na faculdade”.

O trabalho prazeroso teve reflexo nas vendas e na conquista de clientes e amigos, algo que naturalmente aconteceu com Gota e sua loja. Muitos dos clientes não somente compram discos e camisetas, mas encontram nele a figura de uma parceiro, alguém que domina seu ofício, com disposição de sobra para trocar ideias sobre os mais variados assuntos, com tato e paciência,  fruto talvez dos tempos de psicólogo.

Gota fez da Roots Records praticamente sua moradia. Como em uma casa, a loja é o ambiente onde o dono “faz a sala” e diz, “não reparem na bagunça”. Proporcionando uma atmosfera confortável e acolhedora para qualquer pessoa que a visite e fazendo valer o ditado: “trabalhe com o que gosta e nunca mais precisará trabalhar”.

“Sempre vejo ele conversando com os clientes, ele gosta disso. Eu mesma, entrei para comprar um disco e quando vi já estava virando amiga. Gota não vê diferença de mim para ele, pois ele também já esteve do outro lado do balcão. Frequentamos os mesmos mercados, as mesmas padarias, de vez em quando marcamos um barzinho, estamos todos no mesmo plano. É assim que ele trata a grande maioria que frequenta a Roots” – conta Mariangela Fagundes, 51 anos, cliente da Roots Records há 23 anos -.

Este retrato não poderia terminar sem antes, é claro, Gota escolher um dos diversos discos que marcaram sua vida. A decisão foi rápida: Paranoid do Black Sabbath, álbum que o introduziu ao rock ainda criança e, por consequência, mudou completamente sua vida. Sorte a nossa.  

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