Segundo o último censo do IBGE, a população Brasileira é formada por 81% de Cristãos. É bastante provável que você leitor ou alguém de sua família, faça parte dessa hegemonia cultural. Este texto não faz apreciação de valor a respeito da religião, mas das relações entre religião e poder no contexto da Pandemia em curso.
Não é de hoje que as entranhas do relacionamento entre Igreja e Estado estão expostas. Aliás, o Cristianismo no formato que deu origem ao culto hoje conhecido, nasceu no seio do Império Romano em meados do Século IV D.C.
A Igreja (então Católica) auxiliava o Império e este protegia e enaltecia a Igreja. Uma relação de simbiose que sofreu várias crises e divisões, mas que, sob uma diferente roupagem, sobrevive até os dias atuais.
No Brasil do Século XXI, a interdependência entre a Igreja e o Poder de Estado, embora explícita, não é oficial.
Aqui, religiões elegem governantes e legisladores para, em troca, ganharem parcela de poder com o objetivo de pautar o Congresso Nacional e fortalecer a capacidade de influenciar a nação através da concessão de canais de rádio e televisão, por exemplo.
Mas o que nos interessa, neste momento, é observar o tratamento dispensado às instituições religiosas no contexto da Pandemia e aqui, novamente se observa que os partidos políticos e seus integrantes eleitos como mandatários do povo, temem e se curvam à influência religiosa.
Desta forma, o que presenciamos são Decretos fechando Shopping Centers, academias de ginásticas, parques naturais, estabelecimentos comerciais, mas ressalvando a abertura dos cultos religiosos como atividades essenciais, mesmo durante os momentos de pico de contaminação.
Enquanto isso, alguns cultos prosseguem desafiando todas as normas sanitárias, tal como ocorreu em Curitiba na semana passada, na qual mais de 2.000 pessoas se aglomeravam participando de evento promovido por uma das maiores denominações neopentecostais do Brasil, conforme se observa do link disponível ao final dessa postagem.
E não se trata de evento isolado. Há duas semanas, ouvi diretamente de uma fiel, que ela teve receio de entrar em uma missa de quarta-feira de cinzas, pois a Igreja estava cheia, com gente de pé nos fundos e nas laterais do templo. Todavia, por medo de cometer pecado ao virar as costas para a Igreja, acabou entrando e tomando um lugar.
Calha perguntar: Por que arriscar a vida e a saúde de tantos fiéis? Qual a responsabilidade de quem celebra cultos ou missas nessas circunstâncias?
A preocupação do Estado em manter os cultos funcionando, seria mesmo por considerá-los uma forma de alívio emocional e espiritual indispensável ao povo, sob quaisquer circunstâncias e riscos?
Parques naturais para caminhar, espairecer e contemplar a natureza também não teriam função semelhante, ou seja, de alívio emocional e psicoespiritual? Por que razão então, são interditados durante os momentos de pico da Pandemia?
Há uma diferença aqui.
Trata-se de um consenso de que o serviço religioso precisa ser ininterrupto. As pessoas devem continuar frequentando os templos religiosos para manter a relação de pertencimento ao grupo e prevenir o enfraquecimento de laços, além, obviamente, de se evitar as perdas decorrentes da queda na arrecadação do dízimo e das ofertas.
E, se algum governante, seja ele qual for, sugerir que os templos religiosos devam ser abrangidos por decretos de lockdown ou medidas sanitárias mais severas, a temida perda de apoio eclesiástico no próximo pleito eleitoral será concretizada. Eis aí o mecanismo.
Não é preciso dizer que deus algum mora naquele prédio denominado templo, tampouco reforçar que crença alguma em uma divindade pode depender de oração em um local determinado. A oração sempre poderá ser um processo íntimo, interno e que não depende, para sua efetivação, da participação coletiva e arriscada em momentos como esse que estamos atravessando.
Pregações e aconselhamentos podem ser recebidos via internet, rádio e televisão (as religiões dominantes também são onipresentes), de forma que a presença física nos templos religiosos é dispensável neste momento de tanta contaminação e crescimento no número de mortes.
Por fim, quero deixar explicitamente ressalvada a existência de figuras sérias no seio de várias denominações religiosas, tais como o Padre Júlio Lancelotti, figura proeminente na Igreja Católica, além de uma séria de pastores conscientes, sejam Luteranos, Presbiterianos ou de outras denominações.
O problema que aqui procuro retratar, é o pernicioso caráter empresarial de certos interesses envolvidos em denominações religiosas que, sob o escudo Constitucional da liberdade de culto, excedem e se afastam de qualquer função evangelizadora.
Fontes:
G1: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao-catolicos-31percent-evangelicos-e-10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml
UOL: https://www.uol.com.br/splash/noticias/ooops/2021/02/25/assista-fiscais-tiram-pastor-e-culto-do-ar-em-tv-no-parana.htm
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