É sabido que a negação é o primeiro dos cinco estágios de luto. O luto é um processo que não decorre apenas da morte física de um ente querido. Pode ser também o resultado do encerramento de uma etapa da vida ou de um modo de vida.
Esse é o contexto do luto que estamos atravessando, seja em decorrência das radicais alterações no nosso modo de viver e de nos relacionar com o mundo, seja pela morte de familiares, amigos e conhecidos em razão da doença.
Pois bem, voltando à questão do primeiro estágio do luto, a negação se caracteriza por não se acreditar no fato, por se sustentar que existe algum engano ou um conluio para alterar a realidade que se apresenta.
Já estamos atingindo um ano de Pandemia no Brasil e uma parcela relevante da população continua vivendo na primeira fase do luto, ou seja, não aceitando a realidade imposta pela natureza. É a fase do “Eu não acredito!”. Para o momento que estamos atravessando, são aqueles que chamam a Pandemia de “fraudemia”, ou que “ninguém morre de Covid, mas com Covid”. São também os que alegam que o mundo todo está sendo enganado por uma suposta “Nova Ordem Mundial”, que o uso de máscaras faz parte de uma experiência de controle social e de limitação do poder de manifestação ou que a vacina está inoculando doenças e que serve para diminuir a população mundial, etc.
Há também aqueles que evoluíram para a segunda fase do luto, que é a fase da raiva, da revolta pela perda, do sentir-se injustiçado. Caracteriza-se na fala daqueles que questionam: “por que comigo?”, “por que estou perdendo tanto, enquanto vejo outros perdendo menos!”, ou que esbravejam: “as medidas restritivas não são justas!” e ainda “lockdown mata mais do que a doença”. Manifesta-se também na conduta daquelas pessoas que desafiam as normas, forçando entrada em supermercados sem usar máscara, criando toda espécie de conflito com autoridades, realizando festas, etc.
A terceira fase do luto é a da barganha ou negociação, que é justamente quando as pessoas mais religiosas, fazem promessas ao deus do seu culto ou a santos e outras divindades, oram por milagres, desejam estar mais presentes na Igreja para receber algum favor ou retribuição divina, etc. Para algumas pessoas, principalmente de pouco vínculo religioso, esta fase pode não aparecer.
No caso concreto desta Pandemia, a fase da barganha ou negociação também está sendo observada nas relações entre o setor público e o setor privado, nas flexibilizações das normas sanitárias, nas concessões feitas, muitas vezes, em desfavor do que o bom senso e a ciência apontam.
A quarta fase do luto se caracteriza pela depressão, ou seja, um efeito rebote pós-raiva. É quando se nota que a raiva não resolverá o problema e então, vem o choro, o isolamento, a paralisação, a vontade de desistir de tudo, a introspecção, que muitas vezes pode não ser percebida aos olhos de terceiros. É uma fase discreta, talvez a mais discreta do processo de luto.
Essa quarta fase é importante, pois é a partir dela que se inicial o processo de aceitação da realidade.
Por fim, a quinta e última fase do luto é a da aceitação. É o florescimento da disposição de vivenciar essa nova fase, de entender como deverá se adaptar e passar a lidar com as mudanças trazidas.
Observo que ninguém é inferior por não estar superando as fases do luto. Cada um tem o seu tempo e o seu modo de assimilação.
O problema é que a primeira fase do luto (negação), que ainda envolve boa parcela da população, traz consigo riscos concretos de exposição ao vírus, de transmissão a terceiros e de não aceitação das medidas necessárias ao convívio social. Por essa razão, parece adequada a busca por psicoterapia e soluções de auxílio que facilitem a evolução nas fases do luto, até o momento da aceitação de que vivemos uma nova etapa da existência e de modelo das relações econômicas e sociais.
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