Pelo que me diz respeito, jamais de bom grado me entregarei nem outorgarei a minha confiança a condutores de povos que não estejam penetrados na ideia de que, ao conduzir um povo, conduzem homens;
homens de carne e osso;
homens que nascem, sofrem e, ainda que não queiram morrer, morrem;
homens que são fins em si mesmos, e não meios;
homens, enfim, que buscam a isto que chamamos felicidade.
(Miguel de Unamuno).
Durante dezessete anos, fui professor de ensino superior em cursos de Direito. Comecei aos vinte e quatro anos de idade, ainda com o peito inflado por acreditar que sabia alguma coisa. Resolvi parar aos quarenta e um, tendo aprendido muito mais do que ensinei e com a certeza de que ainda sei pouco.
Uma das coisas que ficou clara para mim, é que um professor se molda a partir de experiências que levam tempo, que geram amadurecimento emocional e alguma capacidade de amar a profissão e as pessoas.
Não acredito na possibilidade de construir um professor apenas através de um curso, muito menos em curto prazo.
Note bem, estou falando da figura de um professor e não de um adestrador. Adestrar humanos é conduta tipicamente militar, em que o dominador transmite mecanicamente ordens e condutas a serem seguidas pelos hierarquicamente subordinados.
Adestrar é formatar. Essa técnica pode até servir como meio facilitador na lida com cavalos e cães domésticos, mas não serve para o fim de educar homens e mulheres autônomos, pensantes, criativos e construtivos.
O adestramento que, nunca é neutro mas se afirma como tal, demonstra apenas uma visão de mundo a partir do prisma de como ele é, porém, não viabiliza o mais importante: a construção do “dever ser”, a partir do mundo que aí está.
E é pressuposto inerente ao adestramento, que não haja crítica ao erro do dominador, que não exista revolta, indignação ou rebelião, porque, para isso, seria necessário educar as pessoas, ou seja, demonstrar o mundo a partir do prisma de como ele deveria ser. Seria mostrar as razões pelas quais a insatisfação pode ser justa e devida.
Por essa razão, o adestramento é útil e lucrativo a quem domina, mas é mutilador para o dominado. Ele é fatalista, determina a vida das pessoas, suas rotinas e prevê um teto para os anseios de cada um. Por fim, o adestramento não se preocupa com valores humanísticos, mas apenas com fundamentos técnicos para o exercício de determinadas funções, pois vê o ser humano não como sujeito em construção, mas como uma peça, uma engrenagem produtiva.
Perceba: a verdadeira educação deve ser capaz de prover a visão de que a crítica por mudança precisa estar fundada a partir do amor pelo mundo e que o sentimento de conformismo é muito ruim, porque prolonga situações inaceitáveis de miséria, impunidade, violência, maus-tratos, devastação ambiental, etc.
Faço essas considerações, porque neste momento histórico em que vivemos no Brasil sob fortes efeitos de uma Pandemia agravada por gestão pública ruinosa, algumas vozes levantam a bandeira da “neutralidade política”.
Particularmente, não enxergo a neutralidade política como uma postura respeitável neste momento. E não sinto respeito por essa postura, porque dizer-se neutro agora é omitir-se dolosamente. Afirmar-se neutro é aceitar, é indiretamente apoiar esse horrendo status quo. É negar-se a agir para provocar mudanças ou, pelo menos, usar a sua voz para dizer-se descontente. Significa o mesmo que virar o rosto, negando-se a reconhecer que o aumento da desigualdade social é grave, que está havendo o fortalecimento de preconceitos, que verdades científicas estão sendo negadas por vazias frases de efeito, bem como que sofrimento e mortes humanas evitáveis estão acontecendo diariamente em razão da pregação da ignorância.
É por isso que a educação verdadeira também não pode e não deve ser neutra. Não pode haver neutralidade em uma educação transformativa, aquela que faz as pessoas pensarem na sua situação e na relação de si com o mundo. A educação crítica é, em si, um ato de posição política. É dar voz e elevar o homem à condição de sujeito. E, ao contrário do que tem sido dito, nada há de errado nisso.
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