O mundo natural é um livro aberto e disponível a todos. Através dele é possível ler o passado, compreender aspectos do presente e até prever algo inevitável do futuro. Não há qualquer magia nisso, apenas observação e aprendizado. Os povos originários faziam isso com maestria, pois estavam imersos nessa realidade e não podiam negá-la.
Atualmente vivemos em locais artificiais, recebendo informações artificiais, através de mídia artificial e comendo alimentos artificiais. Nossos vínculos com o mundo natural ainda existem, mas estão soterrados por convenientes mitos e lucrativas invenções humanas.
Não é por acaso que os seres humanos estejam enfrentando conflitos internos e também na teia de relações com o mundo.
Faço essas considerações preliminares, porque muitos dos problemas que a humanidade enfrenta atualmente decorrem de um modo de percepção da realidade, próprio da vivência em um mundo antinatural que nós mesmos criamos para abrigar nossos corpos e confortar nossos medos e ansiedades existenciais.
Apesar de tudo, existe opção entre dois caminhos: permanecer no conforto das invenções humanas ou procurar entender a natureza das coisas. O primeiro caminho é certamente mais tranquilo e fácil do que o segundo. É também o preferido pela maioria.
No entanto, para aqueles que desejam compreender a imersão a que está submetida a humanidade, é necessário descer do pedestal do antropocentrismo, ou seja, da ideia de que o homem é o centro do universo.
Trata-se de uma via dolorosa, pois entrar em comunhão com o mundo natural pressupõe dar um passo atrás, repensar tudo o que foi contado como verdade, rasgar véus confortáveis e desconstruir camadas grossas de cultura, tudo com um único objetivo: ver as coisas simplesmente como são.
Diziam orientais na antiguidade, que “se você pensa que vem ou vai, é porque ainda não entendeu nada.”
Em minha percepção, eles estavam certos. Aquilo que vou chamar simplesmente de “vida” nunca vem ou vai. Ela sempre está presente, mudando apenas de forma como um gigantesco caldeidoscópio. Nós somos e, ao mesmo tempo, compomos essa vida mutante em seu modo de apresentação atual. Esse complexo fenômeno já recebeu diversos outros nomes ao longo da história e muitos se colocaram na posição de falar por ele, mas isso não vem ao caso agora.
Essa vida a que me refiro pode ser comparada a um córrego, pois é possível que seja o mesmo curso d´água há milhares de anos, mas suas águas mudam a todo instante. Por isso ele é sempre o mesmo em um aspecto, mas também nunca é o mesmo sob outro viés.
Parece estranha a analogia, mas percebo que o fenômeno da vida, essa eletricidade pulsante que faz bater corações, germinar sementes, brotar flores e subir árvores, manifesta-se de inúmeras formas diferentes e o ser humano é apenas uma dessas formas passageiras.
Sim, formas passageiras, como folhas de uma árvore que cumprem o seu ciclo e secam ao final, caindo ao solo para adubar a terra que alimenta a própria árvore, ou seja, a continuidade da vida.
E nesse contexto, das duas uma: ou nada é sagrado ou tudo é sagrado, pois nada que existe pode ser excluído e, se assim for entendido, todas as formas de vida merecem igual respeito, reverência e consideração.
Assim sendo, o que não pode ser limitado em tempo é somente a “grande vida” que hoje tudo observa por detrás de nossos olhos urbanizados e que amanhã se manifestará sob outra roupagem. Compreendendo isso, todo o mal que fazemos a uma outra forma de vida, passa a ser um mal que fazemos a nós mesmos. É daí que pode advir um sentimento genuíno de compaixão em relação às outras formas de manifestação da vida e uma forte raiz para o crescimento do princípio ético de não causar sofrimento desnecessário, a quem quer que seja.
Comentários: