Briga no pub. Uma garrafa se espatifou contra a parede. Caiu no chão uma lasca escura, surgiu na pedra uma fenda branca. Ainda mais branca que a cara de espanto da galera.
– São ossos humanos – disse dias depois o fiscal do IPHAN. E disse mais: – essas paredes abrigam um cemitério carijó. E disse afinal: – o bar está interditado.
Stanislaw, o dono do pub, quis contestar. Construiu mentalmente um argumento. Veio até o fiscal e falou solenemente:
– Aceita um copo da nossa Pilsener? É uma lager robusta de corpo dourado.
O argumento foi contundente. O fiscal não pôde negar o gole. Tomou três e concluiu:
– Vou suspender a interdição. É medida que só cabe à instância mais alta do IPHAN.
Dias depois chegava ao pub a mais alta instância do instituto.
– Estou aqui pra ver os ossos no ventre das pedras – disse, poético, Luciano d’Avã.
Passou o dedo na fenda branca. Lambeu. Sentenciou:
– É, são ossos carijós.
Stanislaw começou a preparar o recurso. Encheu a taça. Caprichou no colarinho.
– Permita oferecer uma mostra de nossa APA. Tem notas frutadas. Realça o maracujá.
Luciano capitulou no primeiro gole. No segundo, teve um surto ideológico contra a intervenção estatal na economia. No terceiro, recolheu a fita preta e amarela que esticara.
A noite acabou bem mais tarde. A comitiva do IPHAN partira com a promessa de todos os alvarás possíveis. Sozinho entre as paredes de pedra, Stanislaw comemorava com uma IPA.
– Nossos ossos não serão vilipendiados – rompeu o silêncio o berro do Cacique Iraçu.
Os fantasmas encheram o pub com urros pavorosos. Fizeram danças macabras. Então se calaram: permitiram à sua vítima as últimas palavras.
– Quero ser sacrificado num caldeirão de irish red ale – disse Stanislaw.
Os carijós acharam justa a súplica. Fizeram a roda em torno do tonel. Tambores trovejavam enquanto ele se banhava no vermelho profundo. A fragrância lupulada inundou o ritual.
Iraçu sorriu ao sentir o frescor do malte. O olfato espectral reconheceu a magia duma autêntica ale. Stanislaw foi consagrado como uma espécie de pajé.
E a paz reinou pra sempre.
E o pub reabriu na noite seguinte.
Werner Schön tenta fazer literatura. Em Jaraguá do Sul.
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