Meus avós formaram pequenas vilas nas antigas tabas de seus avós – antigas, mortas, exterminadas. Meus avós foram os soldados rasos do exército bandeirante que exterminou seus avós e arrancou suas raízes da terra americana mais profunda. Meus avós não sabiam de nada: nem de suas raízes, nem de seus avós, nem do extermínio que deveras realizaram. Meus avós eram agora portugueses, embora nascidos na outra borda do mar oceano e embora tivessem ainda, tão nítidos, o sangue e os traços índios de seus avós.
Entre as tabas exterminadas estava a de Iraçu. Teria existido na terra farta às margens do Rio Itapocu. Ao pé da serra donde descia o Peabiru e onde hoje se espalha Jaraguá. Teria existido por décadas, séculos talvez, a grande taba de Iraçu. Terá de fato existido?
O poeta Tarcísio descreveu Iraçu como um “cacique de uma taba nas margens do Rio Pitanga”. Mas poetas inventam seus heróis. Tarcísio te-lo-á inventado?
Fritz von Jaraguá fala da taba de Iraçu. De passagem, num texto do antigo Correio. Mas Fritz von Jaraguá não existiu. Foi inventado por Herr Schmöckel, o grande historiador do vale. Historiadores também inventam seus heróis. Inventam quem, heroica ou artisticamente, escreve a história a partir de sonhos. Se Herr Schmöckel inventou seu Fritz, pode este ter inventado seu cacique.
Há algo além de invenção na história? Não é, cada camada de texto, a criação achada num sonho? Não é, cada historiador, o pequeno poeta coautor do grande poema?
A taba de Iraçu existiu? A grande cidade dos avós dos meus avós, o núcleo ancestral da grande Jaraguá, a tribo pujante do grande cacique – o que terá sido? Terá sido?
Não sei. Creio que sim. Confio nos poetas. Admiro os inventores. Certo é que, tenha existido ou não, Iraçu é um personagem vago, de contornos vacilantes. E, séculos depois do possível extermínio de seu possível povo, um certo Emílio Jordan “criaria” uma cidade sobre a terra farta do vale – e, na hipótese que figuro, sobre os escombros da grande taba.
Que grande mistério é a história. A realidade e os sonhos misturados na escritura. A arte enredando os fios soltos do passado. Eu, desde minha arte carijó, declaro: Iraçu existiu, heroico e artístico como um mito. E uma Jaraguá mítica, muito antes do engenho de Emílio Jordan, terá sido ainda mais bela que a atual.
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