O certo era a gente parar com tudo, parar tudo, parar o país. Os caras pegaram um irmão. Um deles botou o joelho sujo sobre sua cabeça, exatamente igual ao desgraçado que matou o George Floyd. Era um irmão doente. Um esquizo. Um preto pobre que cometeu o crime de ser pobre e preto. Eram três ou quatro caras. Armados. Fardados. Esfregando a cara do irmão no asfalto.
Só essa imitação daquele gesto porco já era razão pra parar tudo. Mas teve mais. Muito mais. Eles jogaram o irmão no porta-malas. As pernas pra fora. O gás pra dentro. Ele se contorceu e estrebuchou até parar. Os homens forçaram a tampa do carro ainda muito tempo depois. Até a morte. Até depois da morte. Até que acabasse a sessão macabra da câmara de gás.
Quanto tempo durou a cena? Floyd ficou oito minutos e quarenta e seis segundos embaixo do joelho sujo do assassino. Eles insistiram nisso. Nessa contagem. Nessa cronometragem. Eles, os irmãos do norte, fizeram o mundo suportar cada instante da cena. E a cena assim ficou insuportável. Um espetáculo torturante. Uma via crucis. Quantos tempo durou a via crucis do Genivaldo?
O certo era cada um deles apodrecer na cadeia. Os três ou quatro. Os assassinos. Mas não. Os caras tão soltos. Quem cuida do inquérito são colegas da PF. Um deles deu uma entrevista no domingo. Disse que não tinha razão pra pedir a prisão. A jornalista perguntou: “se os acusados não fossem da polícia, seria assim?”. Ele riu.
O certo era a gente sair pra rua naquela mesma hora. Correndo. Berrando. Botando pra fora a raiva que fez nosso corpo tremer. Mas nosso corpo preto só treme e mais nada. Tá cansado. Machucado. Só tem força pra sobreviver. A gente engoliu mais essa. O irmão foi torturado e assassinado na nossa cara. Foi chamado de vagabundo. Os assassinos tão livres. E a gente por aí de boca aberta babando de gratidão por não ser mais um Genivaldo. Já faz dias que ele morreu. Já tá quase esquecido. Foi em 25 de maio. Assim como o Floyd.
O certo era a gente lutar. Exigir justiça num gesto tão grande que fizesse de 25 de maio uma data sagrada. Tão sagrada que daria medo. Tanto medo que traria a liberdade.
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