Opinião

A cara do Ciro

A cara do Ciro

Todos sabemos por que Ciro tem agido assim. Assim: barulhenta e virulentamente. Ele mira 2026. Crê na possibilidade de herdar espólios eleitorais – espólios de Luís ou de Jair, ou de ambos. Crê na ruína política deles. Crê poder ressurgir, nas próximas eleições, como a superação da tal “polaridade odienta”. Como alguém que nunca esteve em um dos dois lados. Como a cara de uma nova era. Este é seu projeto. Sua missão, portanto, é manter uma distância intransponível de um e de outro. Seu marqueteiro é João Santana.

Santana esteve com o PT em eleições passadas. Conhece a arte. Quer criar um personagem a partir da dualidade entre Luís e Jair: absolutamente oposto a um e outro, mas adredemente semelhante a ambos. Essa dualidade é a fonte dos fluxos semióticos – imagens, discursos, símbolos – que balizam a política atual. Não se pode estar alheio a esses fluxos: é preciso canalizá-los. O oposto de Luís deve ter algo de Jair; o oposto deste, algo daquele. O marqueteiro forja um Frankenstein com pedaços de um e de outro: na face esquerda, o compromisso com os pobres; na direita, o acento autoritário a impor a ordem que interessa aos ricos. É a antítese – concreta, sensível, carnal – dos dois candidatos; mas também, paradoxalmente, a cópia. O Ciro de João Santana é a mais ousada aposta da história do marketing eleitoral brasileiro.

Uma aposta improvável. Porque ela forja uma distância – que separa Ciro de Luís e de Jair – justamente a partir das semelhanças. E sobretudo porque tal distância deve ser simétrica: Ciro deve ser equidistante dum e doutro, sob pena de ser atraído – e aniquilado – pela força gravitacional de alguma dessas duas estrelas. É um equilíbrio tenso.

Equilíbrio não é exatamente uma virtude do Ciro. A sólida liderança petista nas pesquisas tem feito tremer a corda sob seus pés. Seu discurso se tornou extremista, conspiracionista, vulgar. Ele tem sido a cara do antilulismo. Tanto que ela, a cara, já se confunde com a de Jair. A mesma velha pele, os mesmos tristes olhos, as mesmas gengivas purpúreas. Uma cara feia, de fato. Talvez a verdadeira. Talvez a que lhe reste nos livros de história.

Vítor Véblen

Vítor Véblen é iniciado em literatura política. Viveu em Chicago, onde estudou economia. Mora atualmente em Joinville.

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