Estávamos no metrô depois do jogo contra Camarões. No longo trajeto entre as estações Lusail e Mshreib. No longo desânimo da derrota. Todos no vagão vestiam amarelo. Todos derrotados. Nenhum brasileiro. Você via isso nitidamente: os rostos, as roupas, as poucas palavras. Eles eram africanos e asiáticos. Eles, a torcida do Brasil.
Com a Argentina acontece o mesmo. Aliás, acontece mais: há muitos estrangeiros em sua torcida. Messi é um fenômeno impressionante, especialmente entre os que emigraram do subcontinente indiano. Ulisses, o Capitão da Abertura, descreveu esse fenômeno num texto publicado há dias. O texto é ridículo: uma teoria conspiratória ligando a Copa do Mundo à Guerra na Ucrânia. Mas admito haver ali um bom insight: “a Argentina”, disse o Capitão, “tem a maior torcida do mundo”.
Nos anos 80, quando comecei a acompanhar o futebol (e a vida), aprendi que a maior torcida do mundo era a do Flamengo. Uma suposição razoável: o time tinha a maior torcida do país mais populoso, pelo menos entre aqueles que amam esse esporte. Na virada do milênio a tal suposição caiu por terra. Soubemos que os grandes clubes europeus tinham vastas torcidas no leste da Ásia. Desde então, com tristeza, sempre pensei que a maior torcida do mundo era a do Real Madri.
Isso até agora. Até esta copa. Até conhecer o Catar. Em meu último texto, eu disse cobras e lagartos do evento e do país. Agora tenho que admitir: há algo de muito louco acontecendo em Doha. Como em toda copa, há grandes grupos de torcedores vindos da América e da Europa. Mas esses grupos são ilhas em meio ao mar de asiáticos e africanos. Os que enchem os estádios e as ruas. O povo da copa.
A copa, de fato, é do mundo: eis a lição do Catar. Distantes da Europa e da América, bilhões de pessoas têm seus times. Boa parte delas torce pro Brasil ou pra Argentina. Não tenho dados seguros, mas estou convicto que as duas seleções têm as maiores torcidas do mundo – sem excluir as dos clubes. Entre as duas, a alviceleste parece ser a maior.
Dizem que o futebol entre seleções está fadado a desaparecer e que restarão, num futuro próximo, apenas os clubes. Sempre lamentei essa possível tendência. Entre os clubes, os mais ricos são os mais fortes. Entre as seleções, a força vem de outros fatores. A copa do mundo é a grande chance de subverter a lógica da grana. Será uma pena se aquela tendência se confirmar.
Mas acho que não. As seleções representam mais do que nações. Representam escolas, estilos, culturas. A vitória do Japão sobre a Alemanha é uma façanha oriental. A de Marrocos sobre a Espanha, uma revanche mourisca. Disse bem o Caetano: “o coração da África gritou – Pelé! Pelé!” Os jogadores nas copas performam algo como epopeias fundacionais. Personificam as forças de seu povo. Promovem grandes libertações. Por isso os grandes craques, nas memórias mais ubíquas, usam as camisas de suas seleções. Entre os vários taxistas “banglas” com que falei, poucos conheciam o Napoli; todos idolatravam o Maradona.
Tem razão o Ulisses: é provável que a Argentina tenha a maior torcida do mundo. Acrescento: a do Brasil não fica muito atrás – se ficar. A grande Ásia e grande África têm seus times na copa. Eis a lição do Catar: é grande o mundo; e quase tão grande o futebol.
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