Publicado por Victor Emendörfer Neto
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Rogério Caboclo, presidente da CBF - Douglas Shineidr-9.abr.19/AFP
Há um tema – no Brasil, il, il de hoje – de que todos temos tratado. Todos: os homens e as mulheres, os idosos e as crianças, o mais humilde ribeirinho amazônico e o menos humilde paulistano farialimer. Todos temos discutido sobre uma instituição: uma dentre as tantas que nos têm assombrado, uma das que mais nos repugnam. Todos temos conversado sobre aqueles – ou aquilo – que comanda(m) o futebol brasileiro. Todos, absolutamente todos, temos falado desta ‘entidade’: a CBF.
Nem todos sabemos o que significam as três letrinhas. Muitos sequer suspeitamos da existência duma tal “Confederação Brasileira de Futebol”. Mas insisto: todos temos tratado, direta ou indiretamente, da citada instituição. Afinal, desde que surgiu a notícia de que os jogadores do escrete canarinho poderiam desafiar a ordem de jogar a Copa América, não há quem não tenha dado um pitaco nessa mui tormentosa discussão que assola a sociedade brasileira: o que se passa, afinal, no vestiário da seleção?
Fique claro, claríssimo: eu sei lá o que se passa naquele vestiário. Aliás, não me interessa. Mas o vestiário é uma espécie de metonímia da instituição que abordávamos. Ou melhor: aqueles trinta e poucos caras, jogadores e comissão técnica e tais, são uma instância de poder no centro da tal instituição. Insisto: é dela, da instituição, que afinal se trata. E é por isso que este colunista, dado a investigar instituições (o que é o direito empresarial senão uma tal investigação?), volta-se ao tema – como, de resto, voltamo-nos todos.
A CBF é uma pessoa jurídica de direito privado. Nos termos da lei, uma associação civil. Seus estatutos designam seus dirigentes. Seu modelo de gestão é presidencialista: muitos poderes centrados em seu dirigente máximo. Seu presidente é Rogério Caboclo. Ou era: Caboclo está afastado após acusações de assédio moral e sexual por uma funcionária da Entidade. O episódio, ilustrado em provas nauseabundas, mexe as peças desse tabuleiro.
Tabuleiro é uma boa metáfora. A instituição pode ser figurada num jogo: o Presidente, os órgãos colegiados, o colégio eleitoral – tudo peças de um xadrez urdido numa mesa empoeirada. Nesta mesa sente-se o odor sulfúrico de hálitos medievais: a organização da CBF remonta uma reunião de feudos, as Federações, dominadas por sólidas relações de vassalagem. A própria confederação se insere num organismo maior, a Conmebol, e tudo remonta à estrutura romanesca da FIFA.
Mas eis o ponto: a CBF é uma instituição – e instituições são organismos que reagem a estímulos internos e externos. Se tudo fosse definido segundo os estatutos da entidade, não haveria o bafafá. Cabloco diria simplesmente: vai ser assim e assado e ponto final. Mas Caboclo está em casa, bem quietinho, levando um sacolejo da patroa. Nas altas instâncias da CBF, no centro nervoso do futebol brasileiro, crispa-se a medula em altíssima voltagem.
Os tais trinta e poucos caras, jogadores e comissão técnica e tal, meteram o dedo na ferida: a Copa América no Brasil é uma vergonha. De fato, há somente uma razão pra realizar o torneio neste momento e neste país: grana. Grana pra cartolas, empresários e políticos. Muita grana. Convenhamos: não é uma razão assim tão digna. Aqueles caras se deram conta disso. Muitos deles jogam na Europa. Sabem o quão vergonhosa, aos olhos de quem vê de fora, toda essa situação parece. Uniram-se em repúdio. Compreensível repúdio.
Mas então houve a reação. A CBF, a Conmebol, o Governo Federal, todos censuraram com veemência a rebelião. Eles juraram – de joelhos e com olhos ensopados de lágrimas puras – que a Copa América de 2021 é uma página imprescindível da história nacional e que nossa disposição em disputá-la é um gesto do mais sagrado patriotismo: Brasil, il, il. Parte da sociedade aderiu a esse discurso semibilaquiano. Outra parte se enojou. Dois tsunamis chocam-se frontalmente sobre a ilha da CBF. Perdida no meio da ilha, ao que parece, a resistência dos trinta poucos caras fraquejou.
Percebam a lição que nos interessa: a CBF, uma mera associação civil registrada num cartoriozinho mequetrefe num beco mal cheiroso entre a Candelária e o Largo do Machado, traz em seu âmago o grande antagonismo nacional. Trata-se de uma instituição, diria Maurice Hauriou: um ente com inegável densidade ontológica. Afinal, esse ente tomará decisões, realizará ações, adotará posturas com vastas consequências – e tudo isso sob um influxo de forças insondáveis, internas e externas. Ou melhor: sob o influxo de forças cuja resultante, pra usar a terminologia newtoniana, é insondável. Trata-se de uma grande lição. Especialmente pra quem investiga o direito empresarial.
Quanto à CBF em si, e especialmente quanto à decisão de disputar a Copa América, isso pouco interessa a esta coluna. Afinal, como disse o cabeça de área da seleção, é óbvio o que está acontecendo. E, ao que parece, nenhuma lição tiraremos disso.
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