A casa da bruxa é longe daqui. Fazia sol, um céu azul inteiro que recebia molduras de montanhas verdes, cheiro de mato e barulho de rio. A bruxa vive de vender velas artesanais, tem um gato preto e um gato cinza. Velas compridas, grossas, enormes, minúsculas, perfumes, cheiros de todos os tipos e algumas janelas com vitrais. Espaços entrecortados do casarão ondetudo se fez espaço para as velas, essências, incensos, chaveiros, tecidos pendurados, um sofá em forma de lua minguante, chão de madeira, tudo em madeira numa casa de mais de trinta anos. Éramos nós e a bruxa. Quando chegamos, a casa estava fechada e ela abriu para nós. Entramos atrás das velas e dos gatos. Encontramos tudo, escolhemos algumas velas e a bruxa parecia uma pessoa normal. Na hora de pagar, ela contava as velas escolhidas atrás de um balcão e, quando cheguei perto, vi que do seu lado havia um bebê num carrinho. Levei um susto, não esperava aqueles dois olhos vivos, tão vivos, me olhado, me fitando. Eu disse, olha! Um bebê! A bruxa disse, ela acabou de acordar. Me abaixei e falei com ela, perguntei se ela dormiu bem, se estava tudo bem, disse que ela era muito bonita e sorri para ela. Sim, era uma menina linda, touca rosa, macacão branco e um casaco acolchoado com desenhos coloridos. Segurava a parte externa de uma caixa de fósforos numa mão e a outra mão estava guardada numa luvinha feita de meia. A bruxa fazia as contas com a Suzy e disse que iria embalar as velas. Eu olhava a bebê bonita, resgatei a caixa que caiu no chão e aquela mão escondida me agoniava. Perguntei para ela cadê essa outra mãozinha, cadê? Vamos achar essa outra mãozinha? O gato preto me olhava, o cinza sumiu, Suzy distraia a bruxa que embalava as velas e fui puxando a luva devagarinho. A menina dos olhos vivos me olhava. Consegui tirar a luva e cadê a mãozinha? Tinha outra luvinha de meia embaixo. Disse, olha só, minha nossa, tem mais uma luvinha? Cadê essa mãozinha? A bebê, que acompanhava minhas palavras, respondeu esticando o bracinho levemente para frente. De novo fui puxando com cuidado, o gato olhando, a bruxa embalando, minhas filhas dizendo, papai, não pode mexer. Eu puxando a luvinha de meia e tirei. Aí sim, olha só onde estava essa outra mãozinha? Dei a primeira meia para ela segurar, ela segurou, me olhou minhas palavras dizendo pronto, aí está a outra mãozinha e seus dedinhos mexiam na meia e na caixa de fósforos. Me levantei, me despedi e me afastei, o gato preto sumiu, as velas embaladas, a bebê me olhava, as meninas davam tchau, Suzy pagava e a bruxa refazia as contas. Saí da casa como quem escapa da bruxa, como quem tem medo de virar um sapo. Lá fora, quando olho para a casa, vejo o gato preto me olhando pela janela.Poderia jurar que ele piscou para mim.
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