Era sexta-feira, eram sete horas, era o fim da tarde no deserto. O sol já havia se posto, mas suas últimas luzes ainda coloriam o céu. Um silêncio vasto e denso se espalhou pela boca da noite.
Então houve o som do alaúde. As notas metálicas. A caligrafia islâmica nas linhas melódicas. A harmonia aguda elevando-se ao céu, ao céu profundo onde Vênus e a Lua Nova dançavam em Escorpião.
Não poderia ser mais árabe esse instante que vivi. Havia o alaúde. Havia o deserto. E havia sobretudo o símbolo da fé mulçumana: a Estrela e o Crescente – a Lua finíssima de mãos dadas com a Estrela Dalva. Difícil explicar o sentido desse símbolo, especialmente nessa religião. É possível que sua evocação seja uma herança dos Otomanos. Mas é certo que isso precede o grande império. Os gregos antigos já faziam reverência à poderosa imagem desse encontro astral. Há quem diga que esse costume remonte a Zoroastro.
A astrologia é um idioma universal. Mesmo o Islã, com sua linguagem tão hermética, permite-se dialogar com os astros. O grande dome do Museu da Cultura Islâmica, em Sharjah, registra a abóbada celeste e os doze signos do zodíaco. É um impulso humano – e talvez divino – extrair sentidos dos arranjos das luzes celestes. Do Oriente ao Ocidente, dum pólo ao outro do planeta, o homem interpreta o céu com as linguagens da terra.
Tantas interpretações! Tantos sentidos! Tantas linguagens! Inclusive a do alaúde que então evocava as imagens ancestrais, as memórias dos séculos, a história dos homens – tudo isso, a história e os séculos e todos os ancestrais, tudo sempre sob o mesmo céu. Ou melhor: sob a mesma dança dos mesmos astros, sempre repetindo – com exata precisão – os ciclos e seus tantos arranjos.
Coube a mim, no exato ponto deste ciclo que vivemos, ouvir na boca da noite o som do alaúde enquanto Vênus e a Lua descreviam no céu o símbolo imemorial – sagrado e profano, real e evocativo como uma epifania. Ambos em Escorpião, próximos à luz de Antares, nessa conjunção sublime às vésperas do equinócio. Algum profeta, algum poeta, algum cantor já sofreu o impacto que ali experimentei: o céu e a terra, o silêncio e a música, a Estrela e o Crescente – tudo isso alcançando o mais cristalino significado. Algum poeta e profeta decerto soube cantá-lo. Eu não. Apenas o compreendi em silêncio – um silêncio tal, tão vasto e denso, que só permitia soar a corda do alaúde.
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