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Sol do solstício, luz canceriana

Sol do solstício, luz canceriana

Câncer me remete a Hércules. Todos os signos me remetem a ele. Os animais que dão nomes às constelações orbitam a história do herói. Toda a vertigem zodiacal tem nele um ponto de referência: Hércules apoiou o céu nos ombros. Mas Câncer tem com ele uma relação especial: o caranguejo fisgou o pé do semideus e, após esse gesto heroico, morreu pisoteado.

Hércules é a razão. Humano e divino. Existindo sob a proteção de Zeus, o imperador dos céus, e a maldição de Hera, a rainha enciumada. É o herói máximo, o portento maior da natureza mortal. Mas é também o escravo que cumpre os trabalhos sob as ordens de Euristeu. A razão é assim, divina e humana: embora capaz dos mais altos feitos, ela é um mero instrumento dos caprichos de um senhor.

No primeiro dos doze trabalhos Hércules mata o temível leão. Mas num gesto indômito veste-se com a pele do animal abatido. Euristeu o repreende severamente por isso: o homem racional não pode estampar-se de fera. E como lição exige seu segundo trabalho: matar a Hidra, a serpente de muitas cabeças que tornam a nascer quando são cortadas. A Hidra é símbolo do desejo: o falo invencível, o vigor inesgotável, o monstro que debocha dos golpes cortantes da razão. Hércules, entretanto, consegue matá-la. Mas só depois de superar o ataque do animal que Hera, a rainha, enviou: Câncer, o caranguejo.

Há certa obscenidade na cena. A garra fisga a carne do herói e este mata o caranguejo com seu pé. Há também heroísmo: Câncer dá sua vida pra evitar que Hércules consume sua fúria castradora. Hera, a rainha agradecida, eterniza o caranguejo no céu. Entre Gêmeos e Leão, Câncer receberá pra sempre o sol do solstício.

A luz mais quente, a luz mais fria: verão e inverno num e noutro hemisfério do mundo. Câncer recebe o sol dos extremos. E sofre a regência do astro mais próximo: a lua. Há uma luz puríssima guardada no céu canceriano. Um tesouro incandescente, agora ainda mais irreprimível ante a presença de Vênus. O fogo da coragem, heroica e feérica, de enfrentar a razão.

Cármen Calon

Cármen Calon é astróloga com amor pela, e às vezes pânico diante da, astronomia.

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