Se você viver uma longa vida, e Deus queira que sim, você terá visto mil luas cheias. Visto, não: vivido. Porque nem sempre você a verá. É mais correto dizer: ao longo de sua vida, se longa ela for, a lua terá sido cheia por mil vezes.
Ontem foi Lua cheia. Lua de Capricórnio. Lua em Câncer. Não haverá muitas assim longo de sua longa vida. Menos de cem. Pense por um instante: quantas vezes você viu a primeira Lua cheia depois do solstício de verão? A Lua de Capricórnio em Câncer? Quantas vezes você se deu conta de que esse evento, que se repetirá menos de cem vezes ao longo de sua vida, acontecia?
Ontem me sentei em minha canoa e saí. Desci o Rio Itajuba empunhando, com a maestria que modestamente confesso ter, os dois longos remos. Era a boca da noite quando passei pela barra rumo ao mar aberto. Era no vasto mar, sem ondas e sem vento, onde vi nascer a Lua.
Eram precisamente dezenove horas e vinte um minutos. Neste instante pensei em todos os que viram, em cada longitude do planeta, nascer a Lua de ontem. Pensei nos monges do Nepal. Nos índios das Américas. Nos pescadores de Itajuba que me acenaram dos molhes da Barra. Pessoas que não desperdiçam essa oportunidade rara. Pessoas que reconhecem a solenidade deste instante: o nascer da Lua cheia.
Não direi o que significa, segundo minha astrologia, a Lua nas garras de Câncer. Não direi sobre o insistente alinhamento do Sol com Plutão, ou sobre a rigorosa oposição entre Vênus e Lilith. Direi apenas que ontem, com olhos devotos como os meus, houve quem orasse à Lua. Não a oração que se dirige a Deus. Mas outra, leve e diáfana, que risca o horizonte como a luz atravessa a lágrima.
Somos eu e eles, monges e índios e pescadores e outros mais, talvez muito poucos na noite densa desta época. Mas somos capazes de entender que a natureza é divina e que eventos como o de ontem são sagrados. Somos os que terão, na hora em que raiar no horizonte a milésima Lua cheia, a consciência de que foi luminosa nossa jornada.
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