Acho tolo discutir quem foi o melhor jogador da história. Se alguém discute, respondo: “a questão não é essa, mas outra: pode haver em qualquer tempo alguém melhor que Pelé?” Quando se trata dele, está em jogo não só a história do futebol, mas o futuro. Enquanto existir esse esporte, ele será a referência. Penso estarmos tratando de um ser humano limítrofe. Além dele, só um deus que brincasse com a bola.
Essa visão, eu admito, tem algo de angustiante. Se ele é o limite das possibilidades humanas no futebol, já vimos o auge do esporte. Então concluímos: o melhor já passou. Pelé sempre se comparou a Beethoven. De fato, passaram-se dois séculos e ninguém fez música tão bela. Ambos parecem insuperáveis. Isso nos angustia. É como se a história lançasse uma sombra ao futuro.
Mas não é sombra, é luz. Pelé é um personagem solar. Um libertador. Alguém como Mandela ou Luther King. Ou Zumbi. Se bem que nele, Pelé, há algo mais: sua luz jamais foi contestada. Com 17 anos foi coroado rei. Da Suécia à África do Sul, todos simplesmente se curvaram à sua majestade. Não sei o que explica tamanho consenso. O horror ao nazismo? A esperança da paz? As cores do futuro que se abria em 58? Não sei. Talvez tenha sido só o futebol. Pelé simplesmente brilhou com a bola. Tão intensamente que iluminou a história.
Há uma outra hipótese: a palavra PELÉ. Há algo de fundamental no som desses fonemas. Algo como um grito originário. Um eco dos primeiros sapiens. Um tijolo da base da torre de Babel. Ela soa como uma joia herdada dum idioma ancestral por toda a humanidade. Caetano disse que o coração da África gritou: Pelé! Errou: nem só da África era esse coração que gritava.
Que ainda grita. Gritará pra sempre. Além da memória do homem que morreu. Além da história do futebol, que cedo ou tarde morrerá. A palavra PELÉ soa mítica: um sopro divino que fez dum homem um rei; a linguagem em si, eterna e pura, dando sentido ao mundo. Num futuro distante essa palavra terá um outro alvo. Será um grito de guerra. Ou um aceno de paz. Ou o nome dum deus que enfim pisará na terra – e brincará com a bola.
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