Gosto de BC. Gosto daquela enseada comprida entre os dois rios. Gosto de nadar até a Ilha das Cabras e ver a silhueta dos prédios ao pôr do sol. Gosto da Vila onde tudo começou, entre Laranjeiras e o Estaleirinho, da Prainha, da Praia do Buraco, do Morro do Careca e do Canto dos Amores. Não sei quantas ondas peguei em frente ao Maxim. Não sei quantas outras em frente ao Marambaia. Não sei quantas vacas tomei na Laje ou naquela valinha danada do Estaleiro. Não sei quantas vezes deixei de surfar pra me embrenhar na selva de pedra entre a Atlântica e a Terceira Avenida, ou pra ficar de boas tomando algo no calçadão. Não sei quantas noites varei em algum recanto da citè. Tem algo ambivalente em BC. Algo de Copacabana ou de Venice Beach. Algo que parece misturar as tentações do mundo – o surfe e a cerva, a praia e a night, a natureza paradisíaca e os paraísos artificiais. Insisto: gosto muito de BC.
A cidade fez aniversário nesta semana: 57 anos. Engraçado, essa idade me parece tão pouca. Tenho a sensação de que BC existe desde a Antiguidade. Ou sempre existiu, mítica e pecaminosa como uma Babilônia carijó. Custa imaginar alguém, há meros 57 anos, dizendo: “nasce agora Balneário Camboriú”. Essa cena me soa herética. Em minha particular teogonia BC foi fundada por um herói lendário filho de um deus selvagem e uma princesa virgem. Me dá um incômodo pensar que o fundador da cidade pode estar jogando dominó no calçadão.
Não é coincidência que, exatamente na semana do aniversário da cidade, tenha começado uma campanha divulgando o alargamento da Praia Central. A faixa de areia, segundo o informe publicitário, passará de 20 a 70 metros: “mais comodidade para os banhistas, mais segurança diante das intempéries do mar” (o slogan não é bem esse; mas é algo assim). Tengo dudas, chicos. Gostaria de saber mais sobre o impacto ambiental da obra. Gostaria de ouvir melhor os pescadores. Gostaria de antever a Ilha das Cabras sufocada pela areia. Me sinto ignorante ao projetar as consequências de uma mudança tão drástica. Mas há algo que posso antecipar: as ondas em frente ao Maxim e ao Marambaia não vão mais rolar. A famosa bancada da Praia Central vai desaparecer pra sempre. Outras ondas talvez surjam na beira da nova praia. Mas não serão aquelas que tantas vezes surfei.
Alguém dirá: “é o progresso, Jojó”. De fato, a gente vai progredindo sobre os espaços da natureza, sobre os rios, sobre o mar. Há 57 anos, quando BC “nasceu”, a Praia Central não era bem essa que hoje se estende entre os dois rios. As coisas mudam. A gente avança. E às vezes surge um sinal de que avançamos demais. Como o leão-marinho que surgiu na Praia do Buraco também nesta semana. Havia uns caras ali enchendo a cara que expulsaram o bicho. A cena foi algo dramática. Mas sobretudo simbólica: o leão marinho simboliza o mar, a natureza, as forças originais deste planeta; os caras bêbados simbolizam a humanidade e seu progresso. O leão-marinho afinal cedeu, agredido e ultrajado, e voltou pro mar. Os caras, provavelmente, comemoraram dançando um funknejo.
Sei lá, talvez eu esteja sendo dramático sob o impacto da cena na Praia do Buraco. Talvez o certo seja sempre mais e mais progresso: não haveria BC, a babilônia carijó, não fosse isso. Mas esse drama, essas dúvidas, sei lá, me angustiam. Deve ser porque os surfistas sempre preferem a natureza paradisíaca aos paraísos artificiais. Ou porque imagino os 70 metros de praia entupidos de fãs de funknejo. Ou simplesmente porque gosto muito de BC.
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