A Abertura é um espaço coletivo e plural. Acolhe colaboradores das mais diversas orientações. Divulga conteúdos de estilos mais díspares. Respeita todas as convicções, desde que sejam democráticas. Por isso, há duas regras editorais que observamos rigorosamente. Regra um: cada colaborador, que assine textos ou quaisquer outras obras publicadas neste espaço, tem ampla liberdade para se expressar e assumir posições. Regra dois: justamente porque é um espaço plural, a Abertura em si (também ela produtora de conteúdos atribuídos a uma indevassável “Redação Abertura”) deve buscar uma posição equidistante – especialmente em questões políticas. Muitos talvez não concordem com a ‘regra dois’ e dirão que a Abertura deveria assumir posições enfáticas – especialmente em questões políticas. O argumento é válido. Mas então teríamos que elaborar um sistema que fosse capaz de traduzir nossas posições – e, em última análise, as de nossos colaboradores. Tal sistema deveria ser capaz de assimilar a vocação aberta do projeto: nossas posições devem traduzir não apenas as de quem participa, mas as de todos que podem participar. Em suma: esse sistema deveria considerar a nossa mais alta aspiração – ser uma abertura. Confessamos, sem hesitar, que não o temos.
Portanto, seguimos com a regra dois. Mas (tem sempre um “mas”) hoje faremos uma exceção à regra. Há uma questão – de indisfarçável caráter político – que motivará nosso mais enfático posicionamento. Ela debate a proposta de tributar os livros. Nossa posição, diante dela, não pode ser mais clara: não, não concordamos.
Os livros e papéis usados na sua impressão têm imunidade tributária prevista na Constituição; por isso, não são sujeitos à cobrança de impostos. Mas, segundo a proposta, essa imunidade não abrangeria as contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins. Uma lei de 2004 isenta os livros das duas cobranças. A proposta pretende acabar com a isenção.
Segundo documento da Receita Federal, a Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019 indicou que famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não-didáticos. A maior parte desses livros seria consumida por famílias com renda acima de dez salários mínimos. Em outras palavras: a proposta baseia-se na premissa de que pobres não compram livros. Ou, pra sermos mais francos, na premissa de que pobres não leem.
O argumento seria ridículo se não fosse cínico. A tributação dos livros afeta o mercado editorial. Significa menos vendas; então, menos investimentos; então, menos obras publicadas. É um golpe na produção cultural brasileira. De resto, o argumento se ressente de uma perversidade triste e tipicamente brasileira: o preconceito contra os pobres. Não se trata apenas de cinismo: é maldade explícita.
Em geral, as críticas à proposta têm ressaltado esses defeitos. Mas têm esquecido de um detalhe que, parece-nos, merece destaque. O sistema tributário brasileiro historicamente apoia-se na fórmula “impostos altos e isenções generosas”. Uma fórmula que permite, através da tributação, dar privilégios – e assim distorcer mercados. Apostem suas fichas: a tributação dos livros será seguida de isenções. Livros de tal categoria e tal assunto e tal estilo serão isentos de tributação. Você consegue adivinhar que tipo de livro receberá o benefício?
Outra pergunta ainda mais importante: você consegue compreender como essa ‘fórmula’, combinando tributação geral e isenções casuísticas, pode impactar a produção cultural brasileira? Consegue perceber o quão monstruoso pode ser esse impacto? Consegue imaginar, enfim, quem pode se beneficiar com isso?
A tributação de livros, em última análise, é um ataque – sutil mas importante – às liberdades de expressão e de criação. Por isso nossa enfática contrariedade a essa proposta. Na verdade, ao contrário do que dissemos, não se trata de uma exceção à regra dois, que nos recomenda equidistância diante de questões políticas. É antes a reafirmação do princípio básico da Abertura: o respeito à democracia. Desse princípio não abrimos mão. Nenhum de nós pode negá-lo.
Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.
Cookies Necessários
Os Cookies Necessários devem estar sempre ativado para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.
Se você desabilitar este cookie, não poderemos salvar suas preferências. Isso significa que toda vez que você visitar este site, precisará habilitar ou desabilitar os cookies novamente.
Comentários: