229 deputados votaram pelo retorno do voto impresso. Não foi o suficiente. A proposta foi barrada. Mas foram muitos votos. Podemos chamar isso de fisiologismo, de ignorância, de delírio. Podemos chamar do que quisermos. Jotabê chama de vitória.
Foi mesmo uma vitória do governo? O episódio, com tudo o que o envolveu, talvez indique o contrário.
Tamanha adesão à proposta é estranha. Aliás, cínica. Os deputados certamente não creem haver maior credibilidade num sistema que conta votos de papel. Eles creem na eficácia dos acordos que costuraram nesses dias. E sobretudo nas verbas gentilmente cedidas. Mais ainda: enquanto eles fingiam aderir ao discurso bolsonarista, definiram – no mesmo dia – várias outras matérias, entre elas uma outra “reforma trabalhista” bastante impopular que, dado o estardalhaço, quase ninguém notou. Lira costurou o acordo pra que tudo isso ocorresse. E todas essas votações foram o que vimos: uma demonstração de força do centrão.
Eu já havia dito em vários destes meus tortos artigos: o centrão engoliu o governo. E isso, ao menos da perspectiva do presidente, não é uma vitória. O centrão tem um preço. E o preço é caro. Os vários ministérios criados, os tantos cargos distribuídos, a verba grossa enchendo os bolsos, tudo isso já se sabe. Sabe-se também que, enquanto durar esse acordo, não há a menor chance de impeachment. O presidente paga o preço do centrão. Isso garante que terminará o mandato. Mas não que manterá o poder depois disso. O centrão não dá voto. E Jotabê derrete nas pesquisas.
Talvez derreta ainda mais. A CPI tem feito estragos. Os indícios de corrupção já produzem um cheiro pobre em Brasília. O roubo atingiu o dinheiro das vacinas. Nomes, mensagens, telefonemas, contas bancárias, empresas em Miami, tudo isso já veio à tona. Muito mais ainda virá.
Jotabê sabe que sua popularidade pode crescer com certos truques eleitoreiros. Vai distribuir auxílios. Vai subsidiar alimentos, combustíveis, energia. E vai entregar a conta a pro Guedes. Pra pagar, naturalmente, só no próximo governo. Contando com a ajuda do centrão, ele tem bastante espaço pra fazer esses truques. Mas talvez isso não seja suficiente.
Então restará a “alternativa Trump”. Se perder a eleição, ele dirá que foi roubado. Tratando-se de América Latina, essa alternativa tem um bônus: o discurso pode ser acompanhado de uma tentativa de golpe. Impensável nos EUA, aqui nós pensamos só nisso. Tememos isso. Ou melhor: temíamos.
O desfile da Marinha no dia da votação mostrou que esse temor talvez seja excessivo. O episódio é, sem exagero, um dos mais patéticos da história mundial contemporânea. Os mais ridículos regimes não seriam capazes de tão vergonhosa demonstração. Tão vergonhosa que me ocorre a seguinte hipótese: talvez tenha havido a intenção de envergonhar. Hamilton Mourão declarou: “A Marinha quis fazer uma homenagem ali ao presidente, apresentou ali o material que ela tem, talvez até no intuito de receber maiores recursos para dar uma melhorada”. Quem tem ouvidos, que ouça.
Bolsonaro depende do centrão pra seguir com seu governo. Depende dos militares pra dar um golpe. Sua figura política, espremida entre essas duas forças, vai aos poucos revelando seu real alcance: nem controla o centrão, nem comanda os militares. Sem uns e outros, resta apenas seu apelo eleitoral.
Os episódios desta terça – do desfile da Marinha à votação na Câmara – mostram um Bolsonaro com cada vez menos opções. O centrão garante seu governo, mas cobra um preço alto – e não lhe dá votos. Os militares não parecem respaldar suas possíveis pretensões golpistas. Se Bolsonaro pretende se manter no poder após o fim deste mandato, resta a ele disputar as eleições. Sua permanência depende, ora vejam, da democracia.
Se é assim, os episódios de terça representam uma derrota para o presidente. Afinal, a julgar pelo seu discurso, ele detestaria decidir seu destino nas urnas.
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