Você já percebeu: Donald Trump voltou à cena. Talvez você não tenha se dado conta disso. Talvez não tenha concluído, assim categoricamente, que essa “volta” aconteceu. Mas você sabe: aconteceu. Ele está por aí fazendo comícios, estampando manchetes, falando aquelas velhas coisas. Numa palavra: performando a cena em que ele é o protagonista. O espetáculo, definitivamente, está de volta.
Os comícios começaram na última semana de junho. As manchetes estão pululando nos jornais. As velhas coisas voltaram a ser ditas e propagadas. Você já percebeu: no whatsapp voltaram a circular os vídeos que asseguram – num inglês mal legendado made in (deep) America – a existência do complô comunista para dominar o mundo, entre outros delírios cheios de clichês e fetiches. Por falar em whatsapp, o ex-presidente anunciou uma guerra judicial contra as Big Techs enquanto lançava uma nova ‘rede social’, que se pretende tão poderosa quanto aquelas que as Big Techs possuem. Trump não apenas volta à cena: ele quer performá-la no palco que ele próprio está criando.
Há quem subestime essa reação. Há quem veja nisso apenas um homem acuado, ciente de que pode perder sua fortuna e parar na cadeia. As investigações sobre seus crimes financeiros avançam. O diretor financeiro da Trump Organization, Allen Weisselberg, se apresentou aos procuradores. As autoridades se aproximam das altas instâncias do império obscuro do magnata. O cerco se fecha. Trump não é tipo de cara que assistirá calado à própria derrocada. Ele vai cair atirando.
Se cair. Pois Trump ainda é forte. Estima-se que aproximadamente metade dos eleitores republicanos acreditam que houve fraude nas eleições que conduziram Biden à presidência. Se isso é verdade, essas pessoas representam algo entre 20% e 25% da população americana. É muita gente que não crê nas instituições desse país – reconhecido justamente pela solidez de tais instituições. Trump representa um racha na estátua marmórea que simboliza a democracia mais antiga do mundo. As velhas coisas que ele diz ecoam nos velhos ouvidos de quem tem ódio e medo. Com sua figura grotesca, ele personifica as crenças bolorentas a suporem que a nação americana é propriedade de uma raça e de uma religião. Trump ousou dizer aos que, vivendo no país que ele então governava, eram de outras raças ou de outras religiões: “voltem para seus países”. Essa é uma declaração que, pelas piores razões, entrou pra história.
Mas não se trata apenas de Trump. Trata-se do trumpismo. Do movimento que condensa todas essas convicções cheias de preconceito, intolerância e egoísmo. Da indústria que recria continuamente as bases desse movimento e produz imensos lucros – financeiros e políticos. Dessa grande maquinaria semiótica que constrói um mundo feito de maniqueísmos, de medo e de ódio, de vontade de fazer a guerra que empoderará os senhores das armas. Afinal, isso é a guerra: tornar o poder daqueles que têm as armas explícito e irrestrito.
A indústria trumpista se alastrou pelo mundo nos últimos anos. Também no Brasil ela estabeleceu uma filial. Aliás, aqui ela encontrou um mercado propício a distribuir seus produtos. Você já percebeu: no twitter, no whatsapp, nas tácitas prateleiras das redes sociais dos brasileiros esses produtos voltaram a aparecer. Os velhos produtos em novas embalagens, com o velho sabor de ódio e de medo: a velha fórmula de inventar “inimigos” e vender “heróis” fabricados para aniquilá-los.
O trumpismo está de volta à cena. Ao redor de seu palco já se reúnem multidões que estiveram dispersas desde a queda do protagonista da peça. Ele agora volta a dizer suas velhas falas. A cena se incendeia. As multidões vociferam os velhos refrões. Talvez ele, o protagonista, deixe a cena inapelavelmente abatido. Mas o palco seguirá ali. O espetáculo continuará. A indústria trumpista seguirá vendendo seu show. Até que as multidões cansem de vê-lo. Ou até que o show (esta é a mais sombria possibilidade) se torne a realidade.
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