Arte

Amarelo: tudo o que nós tem é nós

Amarelo: tudo o que nós tem é nós

Acendeu a luz e era ele. Ele, irmão! Ele! Ali no palco. Em pele e carne e osso. A metros de nós. E veio o beat. E a voz. E o verso, irmão! Veio o verso! E bateu.

Tudo que bate é tambor. Todo tambor vem de lá. Inclusive nós, eu e o maluco meu mano que foi na barca comigo. Na barca pra ver ele de perto. Em carne e osso e pele preta. Ele também vem de lá. O verso dele, de lá. A luta dele, de lá e daqui e de sempre. Até o fim. A nossa luta, irmão! A dele. A tua. A minha. Enquanto a terra não for livre, eu também não sou.

Que é foda, irmão. A luta e a vida, é foda. Injusta se diz? Vida e luta são a mesma coisa. Coisa injusta. Os cara não perdoa e não tarda. Os cara usa terno e coroa. E farda. Os cara não supera a tara velha nessa caravela. Ainda acha que a gente fugiu do porão do navio. A vida aqui é isso, irmão, ninguém de nós tá salvo. Ou você aprende ou morre. Existe pele alva. E pele alvo.

Mas não ali. Não no palco. A metros de nós. Ali a vida é poesia. Ali brilhou o verso dele. Que ele não é rapper nem MC nem popstar. Ele é poeta. Ele tem asas. Ele se olhou no espelho e Ícaro encarou. E se fez verbo e verso e luz. Elo. Ali onde brilhou o verso dele ninguém se distinguia pela cor. No caminho da luz todo mundo é preto.

E eu e o maluco meu mano e todo mundo, irmão, todo mundo de repente viu que é possível. Não, no fim das contas nem tudo é Ismália. Nem sempre acaba no chão quem quis tocar o céu. Nem sempre morre a esperança. Que o céu é isso, irmão. O céu é nós. E tudo que nós tem é nós. O chão, irmão, que se foda.

Então ele se foi. Acendeu a luz branca do teatro. E toda a gente de toda cor acordou do transe. E desceu as escadas. E acabou no chão. Na noite da cidade o maluco meu mano tinha ainda um pouco do amarelo pra queimar. E da brasa rubra subiu um risco branco dançando num silêncio que permitia ouvir as nuvens raspar o céu.

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