Quando me pediu o divórcio, Antônio fez um discurso patético. Disse que me respeitava mas não me amava mais. Que eu seria pra sempre a mãe de seus filhos e a avó de seus netos. E que havíamos construído uma bela história que enfim chegava ao fim.
Não consegui reagir. Fiquei perplexa. Não por ter ouvido todos esses clichês ridículos. Mas porque, entre eles, meu ex-marido deixou escapar uma expressão gelada: “crepúsculo do desejo”. Naturalmente, ele se referia a mim: era o meu sol que estava se pondo, o meu dia que acabava, o meu desejo que se esgotava como a luz crepuscular. Não sei onde ele achou essa expressão. Antônio não é nenhum Camões. Pra ser mais exata: em poesia ele é semi-analfabeto. Em todo caso, ouviu isso de alguém. Talvez da moça com quem saía havia meses. Sei lá. Nem sei se ele conhecia o significado de crepúsculo. Só sei que ele cravou essa palavra bem no meio de meu peito atônito.
Eu tinha pouco mais de cinquenta. Algumas rugas na face. E muito, muito desejo. Esse era o problema. Isso me angustiava. O desejo me pedia atos e gestos que eu não queria fazer. Ou não devia. Ou achava que não. Tentei calá-lo. E calei.
Ou melhor: amorteci, anestesiei, sedei meu desejo. Foi numa igreja que consegui. Os cantos, as orações, a palavra, isso tudo me tranquilizou. Até que num culto segurei a mão quente de Otávio. E ambos deixamos o templo rumo ao meu apê.
Otávio queria ficar ali. Morar. Casar comigo. Eu não quis. Ele entendeu minha distância e se foi. Deixou comigo um desejo que eu não podia mais evitar. Não voltei à igreja. Dessa vez fui ao baile.
Na primeira dança conheci Homero. Na primeira noite, sua cama. Ele era capitão de barco. Caçava cardumes de anchovas no sul do Atlântico. Cheio de histórias e solidões. Cicatrizes e tatuagens. Marcas da vida. Em mim ele deixou algumas. E também se foi.
Eu tinha mais de sessenta e pensei: chega. Foi o que eu disse às minhas amigas num dos nossos jantares semanais. Num deles, tempos depois, apareceu o Edmundo. Um velho amigo de infância. Um velho fã confesso desta que vos fala. Um novo homem em minha vida. O Edmundo não é nenhum Richard Gere. Mas é carinhoso e divertido. E faz bons consertos quando tem algo de errado em meu apê.
Tenho agora quase setenta. E uma camisola preta de cetim. Diante do espelho tiro uma foto. Sou tão sexy. Uma ideia pousa no rubor do meu rosto. Uma ideia vingativa: mandar a foto ao Antônio. Com a legenda: “crepúsculo do desejo”.
Mas logo desisto. Penso em algo melhor. Mando a foto pro Edmundo. A seguir uma mensagem: “a lâmpada do quarto não tá funcionando”. É mentira. O Edmundo sabe, é só um convite. Ele já me conhece um pouco. O bastante pra saber que não há problema em minha luz.
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