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Entre o Céu e o Eu

Entre o Céu e o Eu
Foto de Anthony Mungcal

Os astros nos dizem algo? Ou nós, nos confins de nós mesmos, supomos ouvi-los? A voz astrológica, a fazer previsões e depreender sentidos, reflete de fato a posição dos astros? Ou reflete a situação do próprio dono da voz? Se vejo nos astros alegrias ou tristezas, são eles que mas dizem, ou sou eu mesma que estou alegre ou triste? 

Eis as questões. 

Sinto-me triste. Não completamente. É uma tristeza leve. Uma brisa fria. Uma lágrima cristalina no subsolo do olho. Uma tristeza até boa. Lírica. Musical. Mas triste. Melancólica. Desiludida com o mundo e os homens. Descrente no nosso futuro bonito com que sonhei na juventude.  

Então vejo nos astros futuros sombrios. Sentidos obscuros. Desarmonias. Na última coluna, sobre os ‘planetas retrógrados’, escrevi: “A força desses planetas parece nos atingir com rudeza”. E depois: “Nosso par, num passo antipático, reluta em seguir nossa dança.” Os astrólogos profissionais (ou comerciais) contam maravilhas do futuro, cheio de sucessos e amores e paz. Minha astrologia vê planetas dançando embriagados: “O baile em si parece ser uma vertigem. Tudo gira em descompasso. A vida se agita num turbilhão.” 

A vida, de fato, tem tido cores lívidas. Olho em volta: mentiras, ressentimentos, ódios. Olho com mais atenção: corrupção, violência, fome. Procuro explicações nos astros: Sol com Marte e Mercúrio em Libra, seis planetas retrógrados, Lilith e Vértex em conjunção com Nodo. São sinais densos. São augúrios nebulosos. É um céu tempestuoso.

Então desabam relâmpagos em mim. Meu horizonte me assusta. Em meu vasto oceano se espalha uma estranha palidez. De repente me descubro – e me reconheço – sob a luz dos raios. 

A astrologia, então, assume seu mais profundo significado. Nem a mensagem dos astros, nem as idiossincrasias do astrólogo: a astrologia é o diálogo entre o céu e o eu. Como um relâmpago, a linguagem aí falada cria um vínculo instantâneo entre esses dois extremos da existência. Essa linguagem é luminosa. 

Luz e linguagem: os elementos da resposta que buscávamos. É da essência dos astros serem pontos luminosos. É da essência dos astrólogos, dos verdadeiros astrólogos, relacionarem a linguagem à luz. É da nossa essência – humana, rigorosamente humana – compreender a centralidade dessa relação. 

Sim, minha tristeza momentânea há de influenciar minha astrologia. Sim, os astros hão de influenciar minha tristeza momentânea. Jamais poderemos medir uma e outra influências. Mas podemos compreender a relação entre a linguagem e a luz, entre o eu e o céu. E podemos supor aí a razão de uma enorme, infinita esperança. 

Cármen Calon

Cármen Calon é astróloga com amor pela, e às vezes pânico diante da, astronomia.

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