Horst era conhecido em todo o Vale do Itapocu por ter ingressado ainda adolescente na Coluna. Tinha fotos com Olga. Trocou cartas com Prestes. Guardava um manuscrito apócrifo com o esboço do estatuto do partidão. Em 38 ou 39, quando Vargas baixou o cassete, voltou a Jaraguá. Comprou uma camisa verde e andou por aí, sem maiores perrengues, até o fim da guerra. Dizem que o próprio Emílio, iludido pelo disfarce, deu-lhe um tapinha nas costas e murmurou-lhe aos ouvidos: “anauê”.
Em 45 ele queimou a camisa, a essa altura já amarelada. Em 56 comprou a boina. Em 67 levou um sacolejo de dois milicos na ponte do Grubba. Na verdade, debaixo da ponte. Desde então o fogo ardeu em suas veias. Juntou-se aos vermelhos de Corupá. Escreveu panfletos contra o velho Bauer. Fez-se o pilar de mármore, ou de rubi, da resistência itapocuense.
No dia de sua morte, já na terceira década do novo século, seus muitos camaradas reuniram-se em volta do leito. Nos últimos suspiros ele de repente abriu os olhos. Sem poder falar, fez um gesto: um pedido: uma caneta. Buscaram. Abriram um caderno à sua frente. Com as forças que restavam ele desenhou cinco letras:
u n c a o
e dois riscos que todos julgaram ser a cedilha e o til.
Correram loucos atrás dum padre. Acharam um velho presbítero em cuja mesa, ao lado do retrato do Papa, notaram o do Presidente. Tiveram quase que arrastá-lo à casa da mais rubr’ alma da paróquia. Mas ali, diante do silêncio solene a emoldurar a iminência da morte, o padre recompôs-se: envergou a batina, enfiou o dedo no óleo e untou a fronte da ovelha tardia.
Um espasmo então faiscou na testa terminal. Um gesto trepidou nos dedos. Um sopro, o último, escapou. Todos perceberam o exato instante. Olharam-se arregalados e oraram comovidos. E sentiram, eles juram, o espírito dogmático do velho Horst se erguer aos céus.
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