Na última vez em que Abba Naor os viu, eles estavam do outro lado da cerca. “Minha mãe e meu irmão menor iam em uma longa fila com outras mulheres e crianças pequenas”, ele contou à Deutsche Velle. “Naquele momento soube que os via pela última vez. Isso era claro para mim.” A cerca dividia o campo de concentração de Stutthof, próximo à cidade de Gdansk, hoje na Polônia. Separava os homens adultos das mulheres e crianças.
A alguns metros dali, no escritório central, trabalhava Irmgard. Então com 19 anos, era secretária do diretor do campo de concentração, Paul-Werner Hoppe. Quase oito décadas depois, ela irá a julgamento na Alemanha. Segundo a acusação, “no exercício de sua função de estenógrafa e datilógrafa, de junho de 1943 a abril de 1945, ela auxiliou os responsáveis pelo assassinato sistemático de prisioneiros”. Ela é acusada de ser cúmplice em quase 11 mil mortes.
Esse é provavelmente o último julgamento de crimes nazistas. Começaria ontem (30/09), mas a ré fugiu da casa de idosos e só foi detida algumas horas mais tarde. Por isso o julgamento foi adiado para 19 de outubro. Há que se reconhecer: fugir é uma inegável habilidade nazista – mesmo para uma nazista de 96 anos.
Naor tinha 16 anos quando os viu do outro lado da cerca; sua mãe, 38; seu irmão, apenas 6. No mesmo dia ambos foram deportados para Auschwitz, onde foram assassinados. Hoje ele dá palestras em que narra o horror dos campos de concentração. Perguntado sobre o julgamento de Irmgard, deu uma resposta cáustica: “Nós não fomos levados ao escritório em Stutthof para ver como ela trabalhava. Mas se ela fez algo errado ou cometeu um crime, por que esperaram até hoje?” Segundo ele, os “peixes grandes” conseguiram escapar da punição.
Compreende-se a amargura de uma vítima dos nazistas. É inevitável concluir que muitos deles – talvez justamente os “peixes grandes” – não foram punidos; e que as punições, quando existiram, quase sempre tardaram. Mas esse julgamento traz uma lição valiosa: os crimes dos fascistas (o fascismo é o gênero de que o nazismo é espécie) jamais são esquecidos. Mesmo uma senhora de 96 anos se sentará no banco dos réus. Afinal, ela foi uma nazista – e nazistas não podem ter paz.
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