Arte

Mauro Nuvens

Mauro Nuvens
Arte de Gustavo Reif (@reifgusta).

A ideia brilhou quando ele viu a nova pintura da catedral. Era arriscada, é verdade. Mas necessária.

Ele precisaria de ajuda. Alguém com coragem e experiência pra um ato tão profanador. Sim, a ideia era arriscada inclusive porque parecia profanar a catedral. Só parecia. Talvez fosse um gesto da mais sacra reverência.

Mauro Nuvens! Eis quem tinha a experiência e a coragem. Quando eram adolescentes, ele e o Mauro fugiram do colégio e entraram correndo pela catedral vazia. Ambos pararam diante da corda que pendia do sino. Ele ficou paralisado ao ver a possibilidade de profanar o santo bronze. O Mauro nem titubeou. Naquela manhã o sino da catedral espantou a cidade com badaladas molecas.

Desde então o Mauro rodou o mundo. Virou hippie. Era tão livre que parecia voar. Daí o apelido agregado ao nome: nuvens. De vez em quando voltava à cidade. Numa dessas eles se encontraram no calçadão:

– Quanto tempo, cara! Quer comprar um esmurrugador?

– Quero tua ajuda. Tenho uma ideia.

Horas depois eles entraram caminhando pela catedral vazia. Convenceram a moça da faxina a abrir o acesso às torres. Cada um subiu por uma. No alto encontraram as aberturas. Entre uma e outra esticaram a fita.

E começou a travessia.

A essa altura o padre já corria pelas escadas. Logo berrou desde uma das torres:

– Volta, vagabundo!

E o Mauro, desde a outra:

– Vem, cara, vem!

Ele, o cara, se equilibrava no meio da fita. No meio das torres. No meio da cidade. A multidão se aglomerava aos pés da catedral. O padre seguia ensandecido:

– Respeita a igreja, vagabundo!

E o Mauro:

– Segue teu caminho, cara!

O padre começou a balançar a fita. O Mauro tentou evitar. Na tensão entre os dois extremos, o equilibrista pensava: “eu profano minha fé ou só cumpro minha saga?” Nunca houve questão tão difícil quanto esta: “devo completar a travessia?”

Até que viu, súbita, a resposta.

Então caiu. Ficou pendurado na corda de segurança. O público gargalhou. O Mauro também. E mesmo o Padre. Ele respirou aliviado e desceu pela escada dos bombeiros.

E acabou a travessia.

E acabaram suas dúvidas.

Werner Schön

Werner Schön tenta fazer literatura. Em Jaraguá do Sul.

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