Não ouse comemorar o dia do professor. Não há por quê. Hoje é um dia triste. Nós professores lembramos que somos professores. E que dedicamos a vida a esse trabalho. E que por isso somos humilhados. Eu usei a palavra “trabalho”, mas retifico: é missão. Algo em nós impõe que a sigamos: algo como o amor pelo ser humano ou a fé no destino da espécie. E por isso – sim, por isso – somos humilhados.
É humilhante ser professor no Brasil. O tratamento que nos dão, o salário que nos pagam, a desconfiança – a doentia desconfiança dos ideólogos caçadores de ideologias – que nos dirigem, tudo isso nos humilha. Somos a classe mais rebaixada de nossa sociedade. Levamos a culpa pela precocidade das crianças e pela infantilidade dos adultos. Somos vistos como os semeadores dos males do país. Somos, mais que qualquer outro trabalhador (ou missionário), perseguidos. Eu usei a palavra “classe”, mas não deveria: eles, os que nos humilham, vão me olhar desconfiados.
É sobretudo o sistema que nos humilha. A instituição a que pertencemos. Isso que, de modo impreciso, chamamos de simplesmente de educação. O sistema está falido. A instituição tem sido sabotada. Já disse um saudoso professor: a crise da educação no Brasil é um projeto. Saiu em recente manchete: “Professores brasileiros têm os piores salários da OCDE”. Os piores salários, as piores condições, as piores perspectivas. Outra recentíssima manchete: “Governo corta 92% dos recursos para a ciência”. Eu usei a palavra educação, mas poderia ter usado essa outra: ciência. Ambas por aqui se aproximam, quase sinônimas, diante de uma mesma e sombria perspectiva.
Ainda assim, nosso trabalho segue. O chamado de nossa missão nos magnetiza. O amor pelo homem, a fé em seu destino – essas ideias nunca cessam de fazer nossos olhos cintilarem. Pois as descobrimos – concretas, reais, pulsantes – em nossos alunos. Sim, é verdade, nossa missão traz essa recompensa inestimável: também nos olhos deles essas ideias cintilam. Imperceptíveis aos radares dos que nos humilham, num imenso e silencioso pacto, vamos construindo o futuro.
Mesmo assim, não comemore o dia do professor. Não há por quê. Hoje é um dia triste. Se bem que essa tristeza é inspiradora. Assim inspirados, notamos que a lembrança de nossos bons professores tem ainda mais brilho. Assim luminosa, ela talvez desperte nossos sonhos. Sonhando, apenas sonhando, enfrentaremos esse tempo obscuro e construiremos o futuro que faz nossos olhos cintilarem.
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