
Ela vivia entre as flores que cultivava no mais lúcido recanto do vale. Não só flores: cultivava também ervas aborígenes e fungos adocicados. Mas sobretudo flores: ali o chão era sempre um mosaico de pétalas. Sobretudo rosas: ela experimentava cores inéditas na pele das rosas que nasciam no altar de seu jardim. Como na utopia de Truffaut, buscava o vermelho absoluto.
Ele trabalhava na fábrica de pensamentos. Carregava longas barras de lógica que fundia na caldeira. Despejava o líquido incandescente nas fôrmas das velhas geometrias. Produzia textos em série que se vendiam a escolas, igrejas e tribunais. Às vezes de um molde imperfeito surgia um verso. Ele examinava, perplexo, e o atirava no lixo.
Ambos um dia fugiram pra cidade. Buscavam talvez um bálsamo ou um livro com frases sedativas. Entraram ambos numa mesma casa, entre a Reinoldo e a Marechal, e pediram café. Diante do balcão seus olhares se cruzaram. Entre eles só havia o vapor diáfano que subia das xícaras de porcelana lilás.
Ela pintou no guardanapo uma flor noturna com as gotas que deixou cair da corlherzinha. Ele tirou da lapela a caneta, sua joia oculta, e escreveu sobre a pétala mais pálida:
Em teus olhos
Claros é
Claro o negro
Do café.
Eles sorriram em silêncio. Respiraram o ar azul que jorrou pela janela. E se foram, curados, pra sempre.
Comentários: