Contracorrente e subversivo, Tarso de Castro para além de sua intelectualidade “bossa nova”, comum aos jornalistas de sua época, foi também um espécime raro, se fosse norte-americano, seria considerado um beatnik. Soube viver, saborear e degustar a vida e o que ela tinha para lhe oferecer de melhor (e pior), um exímio bon vivant.
Gaúcho desbocado, ao invés da faca na bota, a caneta nas mãos e a mente amolada. Escrachado, incansável e, consequentemente, incensurável. No jornalismo, ponto de referência: antes e depois de Tarso. Dominava as técnicas da notícia e suas regras, como Maradona dominava a bola, sem esforço, assim fazem os virtuosos. Brincava com elas (as notícias), virava e revirava, confundia, provocava, mostrava os diferentes ângulos, inclusive os seus, sem tirar o protagonismo do que de fato importa. Um malabarista que sabe exatamente onde e quando as bolinhas irão cair.
Amigo generoso e antagonista mais atencioso ainda, foi matéria prima para amantes e críticos. “Necessidade”, termo que define algo útil e inevitável, também se encaixa para Tarso. Foi e ainda é necessário, e assim como todas as coisas que são, quando ausentes, pesam.
“Eu não confiaria meu cachorro para passear com Tarso de Castro”. Fernandes, Millôr.
O Fim
Apesar de parecer, a ordem cronológica deste texto não está equivocada. Começar pelo fim e retroceder à origem, foi a maneira mais organizada de juntar e tentar reorganizar os cacos que compuseram a vida de um homem tão complexo, que aos poucos se quebrou.
Tarso de Castro morreu em 20 de maio de 1991, aos 49 anos, em São Paulo. Para o Passo-Fundense mais carioca do que muitos cariocas, a capital paulistana não deveria ser mesmo um dos ambientes mais confortáveis, principalmente para dar adeus à vida. Seu filho, João Vicente de Castro, aos oito anos perdeu o Tarso pai, Gilda Midani (um dos inúmeros amores de sua vida), perdeu o marido. Morreu de traição, fruto de uma relação abusiva e doentia com sua companheira simbiótica, a bebida. Na peleja entre Tarso e o alcoolismo, o humano levou a pior.
Ao mensurar o número de experiências, lembranças de amigos, desafetos e, principalmente o legado deixado por ele, é quase inacreditável que alguém tão jovem possa ter impactado tanto um ofício histórico e a vida de tantas pessoas, em tão pouco tempo.
A Folha
Entre os fãs do trabalho de Tarso dentro do jornal “O Nacional” de Passo Fundo, estava o empresário Otávio Frias, na época diretor de redação da Folha de S.Paulo. Otávio então convidou Tarso para trabalhar em seu jornal, a grande imprensa que um dia ele tanto atacou. Como se não bastasse, Tarso tinha carta branca para fazer o que bem entendesse dentro do periódico de maior circulação no Brasil, ou seja, brinquedo na mão de criança (das mais atrevidas). Lá dentro ele comandou “Folhetim” e “Ilustrada”, além de uma coluna fixa, que inclusive não tardou a ser a mais popular da Folha.
A brincadeira durou pouco, sai Otávio e assume o irmão mais careta da família Frias, pretexto perfeito para Tarso também “meter o pé”.
O Cafajeste
Não é segredo algum que Tarso de Castro foi um verdadeiro garanhão, encantador, atrevido, insistente, carinhoso, cafajeste, mas sincero. Declarações estas, vindas de suas inúmeras aventuras amorosas. Tarso não poupava ninguém que o atraía, cortejava desde colegas de trabalho, como Bárbara Oppenheimer e Leila Alves, a mulheres de amigos, não deixando passar nem mesmo as amigas de suas namoradas. Entregava-se de corpo e alma aos momentos em que estava na presença de suas amantes e, ao que consta, nenhuma delas guarda mágoa de Castro, pelo contrário, ele era “O homem do mundo, o homem de todos”, declara Tessy Callado, que é claro, também fora um de seus romances.
Seu feito passional mais notório, foi o envolvimento com a atriz hollywoodiana Candice Bergen. Nem os amigos mais próximos acreditaram quando ele se ajoelhou e começou a beijar os pés da americana assim que a viu, no meio do bar Antonio’s. Daí pra frente, a ponte aérea Rio/Nova Iorque se tornou rotina. Para seus companheiros, a “conquista” de Tarso foi motivo de orgulho nacional (neste quesito ele se gabava um pouco). Em sua biografia, Candice lembra com carinho de Tarso, se referindo a ele como seu “amante latino”.
O Pasquim
1968 ficou conhecido como o ano do golpe dentro do golpe. Enquanto os veículos de imprensa mais tradicionais estavam sob constante vigilância dos órgãos censores da ditadura, forjou-se um dos maiores exemplos de coragem e resistência dentro do jornalismo brasileiro, O Pasquim. A ideia do tablóide semanal surgiu das mentes caóticas de Tarso de Castro, do cartunista Jaguar e do também jornalista Sérgio Cabral. Dentro deste time de elite, além dos nomes já citados, colaboraram o cartunista Ziraldo, Millôr Fernandes, Paulo Francis, Miguel Paiva, Luiz Carlos Maciel, Henfil (sim, o mesmo da canção “O bêbado e a equilibrista”), Ivan Lessa, entre outros nomes não menos notórios.
A única regra do jornal era não ter regras e, apesar das personalidades distintas de seus colaboradores, a dinâmica do Pasquim fluía de forma orgânica. Não havia hierarquia e nunca precisou de editor chefe. Dado o carácter singular do grupo, a redação não poderia ser em outro ambiente se não dentro de um boteco, o bar Antonio’s, centro do Rio de Janeiro, onde todos se reuniam para encher a cara e jogar conversa fora, na companhia ilustre de nomes como: Chico Buarque, Nelson Motta, Tom Jobim, Nelson Rodrigues, entre tantos outros nomes do teatro, da música e da tv brasileira.
E quanto aos militares, estes riram por muito tempo de suas próprias caras, sem perceber que eram eles o motivo da chacota.
A Pedra No Sapato
A qualquer sinal de injustiça, Tarso era capaz de criar sua própria moral, doa a quem doesse, de Presidente da República a guarda de trânsito. Foi por décadas testemunha e freguês da “pirâmide” de classes brasileira, com visão privilegiada para o abismo social do país. Sua posição era clara e de território marcado. Sempre defendeu tanto em seus textos, como em sua postura, pautas sociais que careciam de maior atenção. O comportamento se acentuou com o tempo, tornando-se mais evidente durante o processo de reabertura política. Passou a cobrar de forma incisiva, dos políticos em ascensão, projetos e decisões destes quanto às causas historicamente marginalizadas. Talvez tenha sido justamente nessa época, que Tarso ganhou mais um adversário, o maior deles, seu ex-colega de Pasquim, Paulo Francis. Ambos estavam em lados opostos da mesma moeda.
Fruto de um tempo em que o jornalismo era considerado muito mais estilo de vida, do que profissão, Tarso de Castro abria mão de técnicas e conceitos éticos que hoje são ensinados nas Universidades. Preceitos básicos como imparcialidade, disciplina, distanciamento das fontes e sobriedade, realmente nunca fizeram parte de sua rotina de trabalho. Ainda assim, sua coragem, cara de pau e, principalmente paixão pelo ofício e tesão pela vida, fizeram dele, talvez não um exemplo a ser seguido, mas um ícone de insistência e resistência em tempos difíceis. Tarso foi jornalismo e como assim era, soube ser leve, competente e acima de tudo, rir de si mesmo. Um homem que de tanto carisma se tornou inesquecível, idolatrado por amigos e inimigos.
Certa vez, o jornalista Roberto D’Ávila disse sobre Tarso:
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