
Ele vivia numa pequena cidade no sul dum país no sul do mundo. Também ali houve a pandemia. Também ali todos se vacinaram. Só ele não.
A pandemia passou. E as vacinas. E muitas décadas.
A pequena cidade seguia pequena. O país do sul do mundo seguia sendo o sul do mundo. Mas os homens mudaram. A vacina os mudou: agora eram todos chineses. Só ele não.
Os chineses padeciam do mal chinês. Uma espécie de anemia. Nenhum chinês jamais acreditou ser semelhante a deus nenhum. Nem se considerou um modelo pra humanidade. Nem achou em si a fórmula eterna do ego. Chineses não ousavam mirar a eternidade. Só trabalhavam e consumiam e se relacionavam. Talvez fizessem proezas autorais. Talvez se amassem. Talvez até fossem livres. Mas eram definitivamente incapazes de ousar não viver o destino humano.
Ele não. Ele isolou-se. Ele creu pra sempre na perfeição de seu ego. E viveu anos assim, protegido pela placenta espasmódica dessa crença. Nos dias sem vento passava horas admirando-se na face do lago. Escreveu tratados sobre guerras santas. Desenhou o talhe de túnicas e capuzes. Exaltou em versos seus iguais e seu deus. Mesmo seu deus, aliás, ousou recriar: ele o esculpiu numa imagem distorcida que coubesse no minúsculo altar de seu cofre.
Morreu com a idade de Matusalém. Não deixou amigos nem descendência. Seu cadáver foi achado sob sete palmos da mais densa solidão.
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