
Maria atravessou o oceano no século XVI da era cristã. Ardia em febre quando seu pai avistou a terra americana. Dom Manuel atracou a nau na baía que os carijós chamavam Babitonga e pediu a eles que salvassem sua filha. Os índios a levaram ao pajé Jaraguá da grande taba de Iraçu.
Ela tomou o chá e suas faces coraram imediatamente. Seus olhos brilharam. Seus lábios sorriram. Foi quando o grande cacique a conheceu. Naquela noite todos cumpriram ritos de gratidão em torno do fogo às margens do Itapocu. Exceto Maria que se deitou na rede. E Iraçu que se embalou na nudez da pele que nunca vira assim tão alva.
De volta à Espanha Maria deu à luz um menino. Mas nenhum homem cristão ou mouro jamais tocara seu corpo. Nenhum traço mouro ou cristão havia no rosto recém-nascido. Todos creram na virgindade da mãe e na divindade do filho. Este cresceu cultuado na fronteira entre as duas grandes religiões. Aos trinta anos escreveu o livro. Num poema sobre a origem e o fim do mundo revelou um deus que traria a paz. Um deus que era a própria paz.
Então o mataram. Declararam o livro proscrito. Queimaram todos os pergaminhos que o traduziram nas línguas da Ibéria. Exceto aquele que Maria trouxe ao fugir na caravela que atravessou o oceano. Quando desembarcou estava ainda mais febril que da primeira vez. Entregou o livro a Iraçu e morreu em seus braços.
Poucos anos depois a grande taba foi exterminada por homens da cor de Maria armados de pólvora e cruzes. Iraçu e seus guerreiros sucumbiram. Mas houve mulheres e crianças que fugiram trazendo o livro de cor. Conta-se que ainda hoje seus versos são cantados por povos ocultos na grande mata. Guardiões do grande tesouro. Sementes de esperança no chão da América.
Comentários: