Nada: esta é a resposta que estamos inclinados a dar à pergunta do título. Aparentemente, estamos todos putos. Os bolsonaristas gargalham de nervosismo. Os oposicionistas rangem os dentes de raiva: “afinal”, perguntam estes, “por que fizeram o acordo pra livrar Jotabê das acusações de homicídio e genocídio?” O relatório parece não ter agradado ninguém.
Todos, bolsonaristas e oposicionistas, parecem perguntar: “esses meses todos de CPI, essa novela bizarra a que assistimos entre perplexidades e náuseas, tudo isso afinal serviu pra quê? Pra nada?”
Nada, no caso, é uma palavra muito forte – e provavelmente injusta. Em abril, quando começava a CPI, escrevi neste espaço: “Talvez a oposição esteja esperando demais dessa CPI. Talvez o fim desse governo não seja assim tão próximo. Talvez o sistema político esteja só encenando sua peça mais cínica.” Não digo que não tenha havido cinismo. Mas confesso abestalhado, parafraseando o Raul, que não estou decepcionado.
De certa forma e em certa medida, a CPI produziu resultados importantes. Os escândalos envolvendo a compra da covaxin, o gabinete paralelo, a atuação macabra da Prevent Senior – tudo isso foi revelado nessa investigação. Convenhamos: não é pouca coisa. Não estivéssemos completamente letárgicos diante do horror diário que vivenciamos, já teríamos derrubado esse governo. Em todo caso, o relatório está na mesa. São mil e tantas páginas que registram os dias mais sinistros que nossa geração experimentou. Uma narrativa detalhada da maior tragédia de nossa história e de sua principal e criminosa causa: a incompetência, a corrupção e a doença ideológica do governo bolsonarista.
Entretanto, a oposição sustenta que o relatório aliviou a barra de Jotabê. De fato, um acordo na calada da noite (da véspera) poupou o presidente das imputações de homicídio e genocídio. Uns dizem que isso foi uma solução pragmática: só assim seria possível a aprovação do relatório. Outros falam em fisiologismo: Jotabê abriu as torneiras do orçamento e as verbas jorraram sobre os deputados. Há ainda os que falam simplesmente em vaidade: Omar e Renan, ao fim e ao cabo, disputavam os holofotes – e essa disputa acabou favorecendo Jotabê. Provavelmente todas as alternativas são verdadeiras.
Ainda assim, o relatório é um petardo. Dá munição pesada aos diversos órgãos do Ministério Público a que cabe denunciar os tantos indiciados. No caso de Jotabê, o relatório municia não apenas o Ministério Público, na simpática figura de Augusto Aras – simpática sobretudo ao presidente. Também à Procuradoria do Tribunal Penal Internacional dirigem-se as apurações. Aliás, ao contrário do que se tem dito, o relatório não livra Jotabê das garras da Corte de Haia: além de lhe imputar “crimes contra a humanidade”, o relatório descreve “crimes de extermínio” que, embora não tipificados pela lei brasileira, têm previsão no Estatuto de Roma. De resto, embora tenha evitado imputar a Bolsonaro o genocídio, a comissão não deixa de descrever as diversas condutas eventualmente genocidas de nosso mandatário. Os juízes de Haia, diante dessas condutas, podem bem chegar a uma conclusão diversa a respeito do ponto – a mesma conclusão a que tantos de nós já chegamos há tempo.
Pra quem acreditava que a CPI acabaria com algemas nos punhos presidenciais, seu desfecho foi decepcionante. Pra mim, que sempre desconfiei do cinismo dos seus protagonistas, foi quase o oposto: considero o saldo positivo. Jamais achei que a CPI pudesse trazer o fim desse governo. Menos ainda que pudesse nos livrar do pesadelo extremista de que o bolsonarismo é só um sintoma – ainda que um dos mais graves. Não acho que estejamos próximos de virar o jogo. Acho apenas que esse jogo consiste em fazer a história; e que a CPI, ao seu modo, nos ajudou a fazê-la – ao nosso modo.
No fim, esperamos que a história seja consumada e que sejamos os vencedores. Até lá, até que realizemos essa proeza escatológica, resta lutar. Sem a ilusão de que seremos salvos por personagens cínicos. Com a consciência de que a luta é longa e árdua e, no fundo, a única alternativa que nos resta – ao menos a nós, os que temos consciência de que a luta é justa.
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