Opinião

O túnel do Itajaí

O túnel do Itajaí

Foi Adão dos Açores quem primeiro me falou do túnel. Ele pegou uma onda no canto do Morcego e achou um tubinho de nada, daqueles que só penteiam o topete. Mas daí voltou todo bobo: “peguei um tubaço”, ele berrou, “parecia o túnel do Itajaí”. 

“Túnel do Itajaí”? Fiquei com aquilo na cabeça. Imaginei um buraco ligando as duas cidades por baixo do rio, bem abaixo do nível do mar. Isso me pareceu uma fantasia infantil, um buraco do coelho da Alice, um caminho incompatível com realidade aguada do rio e do mar. “Não é possível”, concluí, “o Adão tá delirando”. 

Quando cheguei na casa do Serjão Santana, logo depois do surfe, contei a história. Ele não acreditou. Nem no tubo do Adão, nem no túnel do Itajaí. Eu aticei: “não sei se é má ideia”. Ele comeu um marisco, deu um gole na luisalvense e retrucou: “não é possível, o rio é muito fundo”. Notando que persistia minha dúvida, ele completou: “já viste o calado dos navios que chegam no porto? Tem túnel nenhum, Jojó. Isso é mais uma lorota do Adão.”

Foi quando ouvi a voz de Cecília Cortez gritando da cozinha: “é verdade, vai ter túnel, eu vi na tevê.” Vizinha do Serjão e velha amiga da família, ela sempre aparece quando tem um marisquinho fresco. E ali quase sempre tem. Cecília se sentou em frente à panela, serviu um copo e completou: “pensa no túnel!”

Era só o que eu fazia: pensar no bendito “túnel”. Onde exatamente ele vai ser? Pra cá ou pra lá do porto? Perto da praia? Qual a fundura? A largura? O comprimento? As dúvidas giravam em minha mente. Cecília, adivinhando isso, esclareceu: 

“O túnel vai passar bem próximo ao mar. Três pistas que vão, três que vêm. Mais o caminho dos pedestres.”

“Pô, pensa no tubaço”, eu comentei, “começa em Navega e termina no Atalaia! Kkk”

O túnel e o tubo se miscigenaram em minha mente. As palavras semelhantes. As imagens encanadas. Ambos a mesma coisa, um buraco comprido levando até a saída, até um outro mundo, até a luz.

“Não é possível”, insistiu o Serjão, “é muito abaixo do nível do mar.”

“E desde quando és engenheiro?”, perguntou a Cecília. “Não tem um túnel debaixo do canal da Mancha? Por que não pode ter um debaixo do Itajaí?”

Serjão coçou o bigode e disse: 

“Quem vai pagar?”

“Investimento estrangeiro”, respondeu ela. “É obra de interesse do porto.”

“Sei”, ele fungou desconfiado. “Quando começa a obra?”

“Em 2024”, disse a Cecília, “pra terminar cinco anos depois.”

Nós nos olhamos em silêncio por um instante. Aí o Serjão deu um gole e passou a régua: 

“Acho mais fácil acreditar no tubo do Adão.”

Demos uma gargalhada longa que só parou quando bateu a campainha. Era o Teco chegando.  

“Por que vocês riem tanto? O Serjão compartilhou aquele digestivo?”

“Nada não, Seu Teco”, esclareci tentando conter a gargalhada, “a gente só falava duma lorota do Adão.”

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