Não gosto da ideia, mas a galera aplaude. A maioria da galera. Quase todo mundo que conheço. “Ah, a praia vai ficar uma beleza”, diz um. “Ah, não vai ter mais o aglomero”, diz outro. “Ah, vai dar até pra jogar um futevôlei”, diz o Adão. O Adão surfa. Ou surfava. Não sei se vai seguir surfando. Não em BC. Mas vai jogar futevôlei. E também ele tá feliz com a obra. A galera aplaude, definitivamente.
Então surgiram os tubarões. Eles tão por aí rondando a área. Pra lá e pra cá ao longo da borda da avenida atlântica. Se bem que a atlântica, pra eles, é uma avenida muito maior.
Aliás, isso é o que intriga: com os sete mares pra eles irem, por que resolveram vir pra BC? Tô longe de esclarecer essa dúvida. Mas algo é certo: eles vieram. E vieram precisamente quando começou a obra: o tal alargamento da praia. Por alguma razão a obra trouxe os tubarões. A galera aplaude, mas com medo.
Um professor da Univali disse pra CNN (sim, pra CNN: até a grande mídia internacional tá espantada com os tubarões de BC) que não há com que se preocupar. Segundo ele, a temporada dos tubarões na Babilônia catarina é passageira. Sei não, disseram o mesmo dos paulistas e eles tão por aí até hoje… kkk. Mas falando sério: passageiro ou não, isso pode ser um grande problema pra quem se banha nas águas turvas do mar de BC. O tal professor da Univali diz que os tubarões não mordem. Mas na semana passada correu no whatsapp a notícia de um cara que foi atacado enquanto surfava. Fake news? Maybe. Mas você tem coragem de surfar na bancada do Marambaia?
Não é essa a questão, eu sei. Eis a questão: o que significa a invasão dos tubarões? Isso é sinal de que fenômeno? Sintoma de que doença? Presságio de que futuro? Difícil responder. Mas tente refletir sobre isso. Imagine a geografia do fundo do mar. Há planícies, planaltos, montanhas, abismos. Há pedras, conchas, areia, terra. E há vida, muita vida. De repente cavam um buraco de dimensões quilométricas e despejam toda a areia dele retirada na beira de uma pequena enseada a poucas léguas dali. Visualize a nova geografia do fundo do mar. Pense na zona que tá ali embaixo.
Não sou professor da Univali; aliás, nem aluno consegui ser. Mas sei que toda essa mudança não é irrisória. Oculta sob as águas turvas do mar de BC, sangra uma ferida em forma de abismo. Sinto isso como uma catástrofe: o relevo submarino violado, os fluxos oceânicos distorcidos, a vida subaquática dizimada – ou, na melhor das hipóteses, altamente afetada. A obra afetou até os tubarões, os reis dos sete mares. Que dirá as espécies mais sensíveis da fauna e da flora.
A obra só não afeta a galera. A ferida-abismo vai se abrindo ali, a poucas léguas de nós. Mas a galera finge não ver. E, aliás, não vê mesmo. A galera aplaude. Todos aguardam ansiosos o verão ensolarado no latifúndio arenoso à beira-mar de BC. Com essa praia toda, podem-se erguer mais mil arranhas-céus pois haverá espaço pra muitos milhões de veranistas. Esta será a glória de BC: construir tantos e tão altos prédios que, ao fim da tarde, faremos sombra na costa da África. Sim, eu fui sarcástico: ninguém gosta da sombra que obscurece as tardes na praia de BC. Ou melhor: quase ninguém. Os magnatas entupidos de dinheiro devem olhar esse cenário com um prazer mórbido.
No fundo – não do mar, mas desta reflexão – esses são os tubarões que deveríamos temer. Sinto que há muita influência deles no rumo que segue esta nossa Babilônia catarina. Sinto que eles nadam patronais nas águas turvas – não do mar, mas desta metáfora – de BC. A galera me retruca, paternalmente: “relaxa, Jojó, é o progresso”. O Adão acrescenta: “bora jogar um futevôlei”. Eu tento. Mas penso na memória mais remota que tenho da cidade. Penso na imagem mais provável do futuro penumbroso que entrevejo. Então, sinceramente, me entristeço – enquanto a galera aplaude.
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