Opinião

Paola Hakenhaar: Para desinventar o caos é preciso ter olhos de menina

Paola Hakenhaar: Para desinventar o caos é preciso ter olhos de menina
Arte de Joshua Marshall

Este não é um artigo sobre a persona política de Greta Thunberg, porque se fosse eu não poderia me esquivar de algumas considerações necessárias. Greta é uma jovem de 18 anos, em formação, em fase de politização, como disse Sabrina Fernandes. Assim, todos estamos.  Meu objetivo aqui é destacar uma qualidade da jovem Greta, que não é só dela, mas que nela é importante diante de sua visibilidade e do alcance planetário de suas palavras.

Greta Thunberg dispensa apresentação. O mundo a conheceu pela coragem e pelo seu ativismo ambiental impetuoso. Em 2018, repercutiu no mundo o “efeito Greta” e, desde então, o cenário internacional dos debates sobre a crise climática passou a ter sua presença e seus manifestos. Por meio deles, sua voz atravessou fronteiras. A meu ver, tudo foi possível por causa do seu olhar de menina, além, obviamente, dos seus privilégios de origem, classe e cor.

Para explicar esse olhar, trago o poeta menino, aquele que dizia que suas palavras eram fertilizadas pela natureza, pelas águas, pelo sol e pelo chão do Pantanal. “Ser fertilizado pela natureza é ser infantil”, dizia Manoel de Barros.

Contudo, quem conhece a profundidade das suas poesias bem sabe que o olhar infante do poeta, traduzido por frases que revolucionaram a linguagem, não tem nada de tolo ou bobinho. Pelo prisma pueril é possível enxergar o vazio, escutar o silêncio, desenhar o cheiro das árvores e desinventar. Este é o olhar. Certa vez, Greta disse que “enxerga além do óbvio”. Para mim, Manoel de Barros, também. Ouso afirmar que seja a tal meninice, comum entre eles.

Na última semana, a cúpula do G7 esteve no luxuoso resort Carbis Bay Hotel em Cornwall, Inglaterra, para discutir ações e metas para o enfrentamento da crise climática. Durante um longo final de semana, regado ao sabor amargo da hipocrisia, os participantes congregaram com farto churrasco, sobremesas lácteas, aperitivos de frutos do mar entre outros dissabores. Não faltaram espetáculos inúteis no céu. Quem viu a fanfarronice e apresentou os arroubos da cúpula à crítica pública? A menina.

Greta, que não se apequena diante de tamanha indigestão, afirmou em suas redes sociais: “a crise climática e ecológica está aumentando rapidamente. O G7 despeja quantias fantasiosas em combustíveis fósseis, já que as emissões de CO2 estão previstas para o segundo maior aumento anual de todos os tempos. Mas, os líderes do G7 realmente parecem estar se divertindo, apresentando seus compromissos climáticos vazios e repetindo velhas promessas não cumpridas. É claro que isso pede uma celebração de churrasco de carne e lagosta, enquanto aviões a jato executam acrobacias sob o céu do resort.” 

Agora, veja a expressão de encantamento dos líderes do G7 diante do abismo, nessa foto. Estarrecido? É, eu sei. Passado o ranço, tente desver. 

Não há volta, se apegue à raiva e siga. 

Toda hipocrisia performada pela ausência de práxis da cúpula é o retrato da incoerência, da falta de ética na política ambiental. Desconheço o quanto Greta se aprofunda sob esta perspectiva ética, mas seu olhar encostou no ponto crítico.

Em maio desse ano, Greta estreou o curta-metragem For Nature, em parceria com o grupo de direitos dos animais Mercy for Animals (MFA), que mostra a exploração de animais não humanos, da natureza e sobre como esta exploração conduziu o planeta ao atual estado de coisas, com crises sanitárias como a COVID-19, além das velhas conhecidas crises climática e ecológica.

No curta, Greta diz que “a crise climática, a crise ecológica e a crise de saúde estão todas interligadas”. Ela, com olhos de ver, afirma que as ligações entre estas crises não são comumente vistas pelas pessoas e seu desejo é “conectar os pontos, porque se não mudarmos estaremos fucked”(sic). A menina esticou o horizonte.

Greta, ao que parece, continua assertiva. Quando esteve na ONU, discursou enfaticamente com críticas dirigidas à acumulação do capital e à oligarquia global. Sua fala alcança, em ressonância, outras lutas ambientalistas pelo mundo, inclusive as daqui, do Sul Global. Não sabemos de tudo e de todos que orbitam Greta, mas faço votos de que ela não perca a meninice. 

“Pode uma menina enriquecer a natureza com a sua incompletude?” Arrisco uma resposta: o poeta diria que sim.

Quando falo aqui, por aí e em alguns encontros afetuosos sobre uma ética ecofeminista, que explica as interconexões e aponta para horizontes largos e mais auspiciosos, faço com o olhar manoelino e com palavras fertilizadas pela natureza. E, por essa meninice, me chamam de sonhadora. “Isso é utopia”, dizem. Prefiro que seja e sigo nela, com o atrevimento de carregar água na peneira e encher vazios – rumo ao horizonte. Não parece tão esquisito assim. Veja Manoel, veja Greta. Só faço um pedido: veja com olhos de menina.

Paola Hakenhaar

Mestranda em Direito (UFPR). Professora de Direito Penal (Unisociesc). Advogada Feminista.

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