Há um dado – que provavelmente você sequer conhecia – sintomático desta nossa época: o número mortes por selfie. Sim, é exatamente o que você está pensando: a pessoa arrisca-se pra sacar uma boa selfie – e sucumbe ao risco. Um estudo da Fundação iO, publicado pelo El País, revela que pelo menos 379 pessoas morreram por esse motivo entre janeiro de 2008 e julho de 2021. Em média, uma a cada treze dias. Só nos primeiros sete meses deste ano foram 41 mortes – uma por semana. Eu disse que é um dado sintomático – pois reflete nossa egolatria e nossa frivolidade e blábláblá – mas peço que esqueçam esse adjetivo, a supor uma análise nunca suficiente e sempre pernóstica. O dado é simplesmente bizarro. E, ao menos pra mim, impactante.
Muito mais impacto me causou a menção – pouco honrosa – que aquele estudo fez à nossa cidade. Penha – sim, a nossa querida Penha ali escondidinha entre Piçarras e Navegantes – está entre os dez lugares do mundo com mais registros de mortes por selfies. Não, você não leu errado: a cidade é “top ten” nessa estatística. Os outros nove lugares, sempre segundo o El País, são “as cataratas do Niágara (na fronteira entre os EUA e Canadá), o Glen Canyon (EUA), o Charco del Burro (Colômbia), a catarata de Mlango (Quênia), os montes Urais (Rússia), o Taj Mahal, o vale de Doodhpathri (ambos na Índia), a ilha Nusa Lembongan (Indonésia) e o arquipélago de Langkawi (Malásia)”. Como se vê, Penha é único lugar do Brasil na lista macabra. Donde o título – definitivamente nada honroso – de campeã nacional das selfies letais.
De fato, não é um título que gostaríamos de ter. Em todo caso, dá o que pensar. Que este lugar seja o recordista brasileiro de mortes por selfie diz algo sobre quem aqui vive – ou por aqui passeia. E diz muito sobre o próprio lugar.
Penha é uma cidade arrebatadora. As selfies letais são efeitos – tristes, é verdade – do arrebatamento que ela causa. Sua beleza estimula esse mergulho – imprudente, é verdade – no abismo cênico de uma fotografia que se anuncia uma obra-prima. A taxa de letalidade das selfies é diretamente proporcional ao encanto do cenário fotografado. Não por acaso, a lista acima menciona dez dos mais belos lugares do mundo. Penha é um deles.
Mas esse triste título concedido à cidade revela também algo sobre nós. Nós: os habitantes, os turistas, todos os que têm a sorte de conhecer este lugar. Nós somos uns tolos. Não só porque nos entregamos ao abismo cênico da selfie. Mas porque temos a patética necessidade de inserir nesses abismos a nossa cara. Somos todos Narcisos – todos sempre mais feios que o original grego – loucos pra ver nosso reflexo no lago, na foto, nas redes sociais. Se fazemos isso sem riscos, vá lá, tudo bem. Mas se assim nos expomos à morte, então isso se torna indefensável – e eventualmente fatal. Se a loucura por selfies é um mal de nossa época, as mortes que ela causa são um sintoma – bizarro, impactante e grave.
Eu usei, no início, a palavra “sintomático”. Depois me arrependi. No fim do texto, ela me parece inevitável: selfies letais são um sintoma deste nosso ‘mal do século’. Sim, essa conclusão resulta duma análise superficial e ligeiramente pernóstica. Ainda assim, ela me parece clara – e me vem quase intuitivamente. Em todo caso, sintomático ou não, o dado é definitivamente grave. E, no que concerne à nossa querida Penha, merece ainda mais atenção. Afinal, queremos que as selfies registrem a beleza de nossos cenários; e não que exponham os pobres Narcisos à morte.
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